Só reformas estruturais seriam capazes de trazer resultados efetivos para conter despesas. Governo precisa reconhecer esse fato e dar o exemplo, mas o Legislativo precisa fazer sua parte
(Opinião do Estadão, em 12/09/2023)
O secretário executivo do Ministério do Planejamento e Orçamento, Gustavo Guimarães, reconheceu que o governo não conseguirá zerar o déficit fiscal no ano que vem se apostar suas fichas apenas no aumento das receitas. Em entrevista ao Estadão, Guimarães, que é o número dois na pasta liderada pela ministra Simone Tebet, disse que o governo necessariamente terá de rever gastos para cumprir a meta.
Vindo de um governo petista, partido que demonstra aversão a corte de despesas, a admissão dessa necessidade pelo secretário executivo certamente é algo a ser celebrado. Ele expressa, ademais, aquilo que muitos especialistas em contas públicas já têm alertado há algum tempo, desde a apresentação do arcabouço fiscal pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad.
Mas, no debate sobre corte de gastos, o diabo mora nos detalhes. O foco inicial da estratégia da revisão de despesas, segundo Guimarães, será o combate a fraudes, com destaque para os benefícios pagos pela Previdência Social. “Vamos começar a atuar naquilo que tem um impacto maior e indícios de fraude”, afirmou. Embora não tenha citado números, Simone Tebet já havia estimado as irregularidades em algo entre R$ 10 bilhões e R$ 20 bilhões.
Ora, em primeiro lugar, cancelar benefícios irregulares é mera medida administrativa para reverter aquilo que jamais deveria ter sido concedido. Não pode, portanto, ser classificado como corte de despesas. Em segundo lugar, não é improvável que haja benefícios irregulares e passíveis de cancelamento. No entanto, as estimativas apresentadas pelo governo sobre o resultado desses pentes-finos costumam revelar-se bem mais otimistas do que a realidade costuma autorizar.
É o que tem ocorrido no processo de revisão dos pagamentos concedidos por meio do antigo Auxílio Brasil, hoje Bolsa Família. Entre os milhões de famílias excluídas e contempladas com os benefícios, o valor reservado para o programa no Orçamento em 2024 foi praticamente o mesmo que o deste ano, cerca de R$ 168 bilhões – a despeito dos indícios de que a base teria sido inflada durante a campanha eleitoral do ex-presidente Jair Bolsonaro.
No caso dos benefícios previdenciários, a previsão de gastos para o ano que vem é de R$ 914 bilhões, o equivalente a 8% do Produto Interno Bruto (PIB). Por óbvio, reavaliar processos internos para tornar o processo de concessão desses pagamentos mais rígido é uma medida que deveria ter caráter permanente, mesmo porque eles representam uma das principais rubricas do Orçamento.
No entanto, há uma série de obstáculos para implementar essa política. Às dificuldades operacionais que o governo já teria para fazer a revisão em um contexto de filas, soma-se o fato de que vários dos benefícios cessados, mais tarde, acabam por ser restabelecidos pela Justiça – o que explica o tamanho da conta dos precatórios, outro problema fiscal a ser enfrentado pela União.
Não se trata de desqualificar o esforço do governo para fechar torneiras por onde o dinheiro se esvai, mas de ser mais realista quanto ao resultado dessas propostas. Na maioria dos casos, somente reformas estruturais seriam capazes de trazer resultados relevantes no médio e longo prazos. O Executivo precisa reconhecer esse fato, dar o exemplo e propor medidas que vão além de pentes-finos e de planos de recuperação de receitas, bem como ser mais contido a respeito do potencial de arrecadação de cada uma dessas ações.
O Legislativo também precisa fazer sua parte. Além de aprovar medidas que acabem com privilégios tributários indevidos a alguns segmentos, os parlamentares precisam dar um freio a propostas que representem novas renúncias para a União. Na situação em que o País se encontra, por exemplo, não há qualquer espaço nem justificativa para aprovar a desoneração da folha de pagamento dos municípios.
A definição da meta é uma decisão de governo, mas atingi-la depende de um esforço coletivo. Por mais irreal que ela seja, mantê-la inalterada, neste momento, não é capricho, mas algo essencial no longo caminho rumo à recuperação da credibilidade do País.
Comentário nosso
Para cortar despesas o Governo tem o grande obstáculo que é o fato de mexer com os interesses dos deputados e senadores. Cortas cargos desnecessários e repasses de verbas vai mexer com um vespeiro formado pelos deputados, senadores e chefetes políticos que são os benefíciários dos cargos comissionados e das verbas parlamentares. Por isso o Governo fica engessado. Resta-lhe tentar aumentar as receitas. E só se aumenta as receitas com impostos, o maior inimigo da população. Há furos que podem ser tapados, caso de pagamento de benefícios irregulares, mas isso demanda um trabalho muito difícil por falta de que faça esta auditoria nos benefícios irregulares de INSS, bolsas-famílias e outros benefícios. E se mexe em outro vespeiro pelo inúmero de interesses contrariados. Com esse Governo e esse Congresso, não vamos sair do atoleiro. Um Governo fraco e um Congresso ganancioso. Haja vista a briga por ministérios e outros cargos responsáveis por distribuição de verbas e benefícios. Quanto mais recursos tem um Ministério, maior a ganância dos políticos por ele. Como é que se pode dizer que os nossos parlamentares são honestos? (LGLM)