Não faz muito tempo, após longa e tediosa espera, o presidente Lula da Silva entregou dois Ministérios – Esportes e Portos e Aeroportos – para o grupo de Lira. Porém, por mais que o governo ceda às imposições do Centrão, parece sempre haver uma nova demanda a ser atendida. E, se o Executivo ousar não ceder no tempo e nos termos que os deputados desejam, estes cruzam os braços e simplesmente obstruem o funcionamento da Casa, nada menos, como ocorreu há pouquíssimos dias. E que se dane o País.
Eis o ponto central dessa barafunda. Formar uma base de apoio ao governo no Congresso é problema exclusivo de Lula. Mas isso passa a ser um problema do País inteiro quando os impasses entre Executivo e Legislativo levam à paralisação da agenda legislativa até que os caprichos de uns e outros sejam acolhidos. Isso é inaceitável.
Com a maior naturalidade, fala-se abertamente no fatiamento de Ministérios, na criação de outras pastas ou na ocupação, de “porteira fechada”, de autarquias e bancos públicos sem que esses movimentos sejam orientados por essas chatices como eficiência ou interesse público. O dínamo é o furor do Centrão para ocupar um espaço cada vez maior na administração pública, de modo a ter acesso igualmente maior aos recursos do Orçamento – o que se traduz, basicamente, na perpetuação do poder político-eleitoral da casta.
O “resgate” da hora em troca de uma suposta governabilidade é o comando da Caixa, mas não só. O Centrão quer liberdade para ocupar todas as diretorias do banco. Mas isso é hoje. Amanhã, a imposição decerto será outra.
Tal é o despudor dessa turma que a coação passou a ser física. No dia 26 passado, o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, foi literalmente emparedado por deputados do PSD na saída de um evento no Palácio do Planalto. A parede contra a qual Padilha foi pressionado pelos parlamentares foi transformada num muro de lamentações. Acossado, o ministro teve de ouvir um rosário de cobranças por cargos – em especial na Fundação Nacional de Saúde (Funasa) – e repasses de recursos federais aos Estados.
Uma das deputadas participantes do cerco, Laura Carneiro (PSD-RJ), ameaçou abertamente o governo federal. “Se a gente dançar, a Nísia (Trindade, ministra da Saúde) vai dançar também”, disse a parlamentar ao ministro, de acordo com um áudio captado pela Rádio CBN. Ora, o que a veterana parlamentar quis dizer com isso? Padilha chegou a comparar a abordagem de parte da bancada do PSD a uma batida policial. “Vocês (os repórteres) viram o verdadeiro ‘baculejo’ que a Delegada Katarina deu em mim, vocês viram, né?”, disse o ministro, referindo-se à deputada Delegada Katarina (PSD-SE). Aos que se chocaram com a cena, Padilha ainda fez graça: “Vocês não têm ideia do que eles fazem comigo a portas fechadas”.
Assim, já não se pode falar mais em presidencialismo de coalizão, que já era ruim por resultar da incapacidade do Executivo de formar maioria sem fazer concessões a grupos políticos pouco ou nada identificados com a plataforma política vencedora da eleição. O País agora parece ter entrado de vez no presidencialismo do esbregue, em que o governo é chantageado à luz do dia, sem qualquer constrangimento e com um grau de agressividade típico das máfias. Isso obviamente nada tem a ver com política. É extorsão.
Diante disso, fica fácil responder às perguntas do início deste editorial. Lula (ou qualquer outro presidente) pode criar dezenas de Ministérios e escancarar porteiras em apetitosas autarquias, mas nada disso parece suficiente para essa turma – que, na hora do voto, nem lembra que é base do governo.