O avanço do Estado bandido

By | 02/10/2023 4:19 pm

Depois de arruinarem a democracia nas regiões que dominam, as milícias do Rio agora dificultam a instalação de empresas de transição energética. É o insulto que se soma à injúria

Imagem ex-librisO País tomou conhecimento recentemente de que as milícias do Rio de Janeiro estão dificultando a instalação de fazendas solares na região metropolitana. Segundo reportou o jornal O Globo, as empresas interessadas nesses empreendimentos informam que os milicianos estão cobrando “mensalidade” em troca de “segurança” no local. Além disso, as empresas têm sido obrigadas a contratar firmas de milicianos para a realização de serviços como terraplenagem e alimentação. É evidente que poucos se dispõem a trabalhar nessas condições.

É o insulto que se soma à injúria. No momento em que o Brasil discute a necessidade de mudar sua matriz energética, adotando fontes sustentáveis como energia solar, descobre-se que há regiões do País que não são capazes de dar esse salto de modernidade porque vivem sob o tacão de grupos mafiosos substitutos de um Estado ausente (e, não raro, cúmplice). E não se trata de qualquer região remota, atrasada e distante do poder estatal, e sim do coração do rico e moderno Rio de Janeiro.

Apesar de toda a estupefação que a notícia causa, não chega a ser uma surpresa. A ascensão meteórica das milícias no Rio fez com que, no curto espaço de quatro anos, de 2017 a 2021, o controle territorial e populacional desses grupos paramilitares superasse a atuação de facções armadas do tráfico de drogas, como mostra o Mapa Histórico dos Grupos Armados no Rio de Janeiro. Impressiona o avanço desse “Estado bandido”, formado basicamente por um exército de policiais e ex-policiais, com o conluio de políticos que eles mesmos ajudam a eleger para acautelar sua operação ilegal.

O mapa, uma iniciativa do Instituto Fogo Cruzado e do Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos da Universidade Federal Fluminense, tenta suprir a lacuna oficial na elaboração de estatísticas tão necessárias ao planejamento de uma política de segurança que de fato se preste a tentar reprimir o avanço da criminalidade organizada.

As milícias são resultado, portanto, da ausência do poder público. E “vendem” ao cidadão serviços como segurança, transporte e habitação, que deveriam ser oferecidos pelo aparato estatal. Por isso, apesar da indignação, não admira que os tentáculos milicianos se estendam agora também aos investimentos do futuro, como a energia sustentável.

Agem neste caso como já atuam na “intermediação” do fornecimento de energia elétrica, gás e TV a cabo, o infame “gatonet”. E o fazem às claras, sem disfarces e sem serem perturbados. Também por meio da intimidação, formam bolsões eleitorais e, em período de campanha política, coagem eleitores a votar em candidatos que se transformam em seus representantes nas Casas Legislativas. E o cerco se fecha. A milícia avança sobre o Estado para que o Estado sustente o crime.

Assim, como escreveu Fernando Gabeira em seu mais recente artigo no Estadão, as milícias já arruinaram a democracia nas regiões que dominam, e agora partem para arruinar a transição energética. Querem condenar seus feudos ao brutal atraso que perpetua seu poder.

Por ora, até onde se sabe, trata-se de um problema circunscrito ao Rio de Janeiro, mas seria ingenuidade considerar que isso vai continuar assim. O modelo miliciano tem potencial de se alastrar com a velocidade de uma praga, como ocorreu, antes, com as facções de traficantes, que deram origem a tantos outros “comandos” pelo Brasil afora. Até mesmo o tráfico foi absorvido pela milícia, que passou a ser denominada “narcomilícia”. E a quantidade de localidades reféns desses salteadores já é maior do que o número de favelas do Rio dominadas pelo tráfico.

A eficiência das milícias na construção de seu poder contrasta com a pusilanimidade das autoridades constituídas. É nesse vácuo que a máfia prospera, deixando a vida de milhares de cidadãos à mercê do arbítrio de marginais. A menos que o Estado brasileiro considere aceitável o florescimento de uma estrutura de governo paralelo, alheia às leis pactuadas democraticamente, é preciso que esses cidadãos tenham ajuda para recobrar seus direitos e poder, junto com os demais compatriotas, participar do progresso do País.

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Category: Nacionais

About Luiz Gonzaga Lima de Morais

Formado em Jornalismo pelo Universidade Católica de Pernambuco, em 1978, e em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, em 1989. Faz radiojornalismo desde março de 1980, com um programa semanal na Rádio Espinharas FM 97.9 MHz (antiga AM 1400 KHz), na cidade de Patos (PB), a REVISTA DA SEMANA. Manteve, de 2015 a 2017, na TV Sol, canal fechado de televisão na cidade de Patos, que faz parte do conteúdo da televisão por assinatura da Sol TV, o SALA DE CONVERSA, um programa de entrevistas e debates. As entrevistas podem ser vistas no site www.revistadasemana.com, menu SALA DE CONVERSA. Bancário aposentado do Banco do Brasil e Auditor Fiscal do Trabalho aposentado.

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