Coronelismo redivivo

By | 03/10/2023 7:41 am

Políticos usam emendas parlamentares para explorar seca no NE em troca de votos

 

(Opinião da Folha, em 02/10/2023)

 

Cisternas estocadas em um depósito atrás de hospital em Santa Filomena (PE) – Mathilde Missioneiro/Folhapress

Ainda que sem ilusões, o jurista Victor Nunes Leal encerra com moderado otimismo o clássico “Coronelismo, Enxada e Voto”, no qual analisa uma trama de poder que, durante a República Velha (1889-1930), ligava coronéis, governadores e presidente. Passados 75 anos de publicada a obra, seria inevitável a consternação de seu autor.

Não por que tenha ficado inalterado o coronelismo. Este, pela definição de Leal, dependia das condições econômicas e políticas daquela quadra; imaginava-se que, evoluindo o país, chegaria um momento em que o sistema representativo viria a sepultar aquela estrutura de coerção e cooptação.

O que transcorreu, entretanto, foi pior que a paralisia. Ecoando Lampedusa, tudo mudou no coronelismo para que ele permanecesse igual, inclusive em uma de suas facetas mais abomináveis: sua vitalidade é diretamente proporcional ao desamparo dos cidadãos.

No sertão de Alagoas, por exemplo, agricultores fazem peregrinações diárias para coletar água. Quem não tem saúde para o percurso de 10 km precisa contratar ajuda, mas o dinheiro sai do mesmo bolso que pagaria pela comida. Tamanho sacrifício, não há como não dizê-lo, é desumano.

Em Betânia do Piauí (PI), onde água encanada é uma miragem, moradores dependem de caminhões-pipa, mas, a 30 km dali, a população de Santa Filomena (PE) conta com generosa entrega de caixas-d’água. Um tanto mais ao sul, em Campo Formoso (BA), as cisternas são repassadas a conta-gotas a quem vive na cidade.

Privados de um bem básico, os munícipes ficam nas mãos desses coronéis de hoje em dia, que, assim como os do passado, exploram a penúria com finalidades eleitorais.

Em sua versão moderna, a patifaria envolve a satisfação de direitos em troca de votos; uma vez eleitos, os políticos controlam a distribuição de verbas federais, sobretudo por meio das famigeradas emendas parlamentares; e tais verbas realimentam o ciclo vicioso.

Num desdobramento que Victor Nunes Leal não tinha como antever, deputados como Elmar Nascimento (União Brasil-BA) e Fernando Filho (União Brasil-PE) agora exercem seu mandonismo tanto em nível local como federal, pois também pressionam a Presidência com seus votos na Câmara.

O Congresso obteve e quer mais protagonismo e poder sobre o Orçamento, o que tem sua razão de ser. Que assuma, pois, maior responsabilidade quanto à qualidade das políticas públicas e os desmandos na alocação de verbas.

editoriais@grupofolha.com.br

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About Luiz Gonzaga Lima de Morais

Formado em Jornalismo pelo Universidade Católica de Pernambuco, em 1978, e em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, em 1989. Faz radiojornalismo desde março de 1980, com um programa semanal na Rádio Espinharas FM 97.9 MHz (antiga AM 1400 KHz), na cidade de Patos (PB), a REVISTA DA SEMANA. Manteve, de 2015 a 2017, na TV Sol, canal fechado de televisão na cidade de Patos, que faz parte do conteúdo da televisão por assinatura da Sol TV, o SALA DE CONVERSA, um programa de entrevistas e debates. As entrevistas podem ser vistas no site www.revistadasemana.com, menu SALA DE CONVERSA. Bancário aposentado do Banco do Brasil e Auditor Fiscal do Trabalho aposentado.

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