Uma lei que não é igual para todos

By | 03/10/2023 6:58 am
Imagem ex-librisEm tese, a lei é uma das grandes manifestações do princípio da igualdade no Estado Democrático de Direito. Todas as pessoas – seja qual for sua condição social, seu patrimônio, sua raça, seu credo, seu estado civil – estão submetidas à mesma lei. No entanto, muitas vezes, esse princípio republicano parece não valer na prática. No lugar de uma mesma lei para todos, observa-se a aplicação da lei influenciada por outros critérios, produzindo privilégios e discriminações. Os efeitos dessa interpretação desigual da lei são notórios em várias áreas. Muitas vezes, no entanto, não é fácil identificar as causas desse desvio. Como formalmente existe uma única lei para todos, a disparidade interpretativa nunca é admitida explicitamente.

Recentemente, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) publicou, em parceria com a Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas do Ministério da Justiça e Segurança Pública, um amplo estudo sobre o perfil das pessoas processadas e a produção de provas nas ações criminais por tráfico de drogas. Foram analisados mais de 5,1 mil processos.

Em primeiro lugar, os dados confirmam uma realidade conhecida. A maioria dos réus desses processos em tribunais estaduais é jovem (73,6% até 30 anos), com baixa escolaridade (68,4% cursaram até o ensino fundamental) e não brancos (68,7%).

Além disso, o estudo do Ipea analisou as características dos inquéritos e processos criminais relacionados ao crime de tráfico de drogas. E é aqui que se desvela a dinâmica da desigualdade e da seletividade no sistema penal.

Ao analisar as ações criminais por tráfico de drogas, o estudo identificou três constantes: (i) processos com baixa quantidade de provas, sem investigação aprofundada, (ii) tramitação do processo especialmente célere e (iii) fundamentação da abordagem policial em “atitudes suspeitas”. Para um jovem negro, o modo como anda, a mochila que leva nas costas ou a bermuda que veste podem significar ser suspeito de um crime.

Essas três constantes revelam um modo de proceder – envolvendo polícia, Ministério Público e Judiciário – propenso a condenar jovens negros. Sintomático é o caso, em julgamento pelo Supremo Tribunal Federal (STF), em que um homem negro foi condenado em segunda instância por tráfico de drogas a uma pena de 7 anos e 11 meses em regime fechado por portar 1,53 grama de cocaína. No entanto, não se trata de uma exceção. Na maior parte dos processos em que houve flagrante de porte de drogas ilícitas, as quantidades eram ínfimas.

A pesquisa do Ipea fez uma análise semântica das decisões judiciais. Na maioria dos casos contra jovens negros, o suposto ato criminoso foi relatado pelas ações de guardar, possuir, transportar ou trazer consigo drogas. Em menor frequência, aparecem os verbos vender, fornecer, entregar, distribuir, adquirir, comprar e receber.

Além de tratar desigualmente as pessoas e ser fonte de erros processuais, o descuido na apuração e no enquadramento dos fatos é disfuncional. Pune-se severamente sem saber quem é quem no sistema de produção, transporte e comercialização da droga. “A fase de investigação tende a ser bastante célere, com duração aproximada de quinze dias”, diz o estudo. E, a confirmar a fragilidade probatória desses processos, em 93% dos casos as provas baseavam-se no depoimento dos agentes de segurança responsáveis pelo flagrante.

O crime de tráfico de drogas é punido com altas penas, o que custa caro aos cofres públicos, mas isso é feito às cegas, sem entender a cadeia do crime e, consequentemente, sem desmontá-la. O resultado é que, em vez de levar a uma diminuição da ocorrência do crime, a atuação do poder público produz encarceramento massivo e indiscriminado de jovens, em oferta abundante de mão de obra às organizações criminosas atuantes nos presídios.

É preciso pôr fim ao círculo vicioso do racismo. Além de corolário da dignidade humana, o respeito ao direito de todos é caminho para uma efetiva segurança pública e um sistema de Justiça minimamente funcional.

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About Luiz Gonzaga Lima de Morais

Formado em Jornalismo pelo Universidade Católica de Pernambuco, em 1978, e em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, em 1989. Faz radiojornalismo desde março de 1980, com um programa semanal na Rádio Espinharas FM 97.9 MHz (antiga AM 1400 KHz), na cidade de Patos (PB), a REVISTA DA SEMANA. Manteve, de 2015 a 2017, na TV Sol, canal fechado de televisão na cidade de Patos, que faz parte do conteúdo da televisão por assinatura da Sol TV, o SALA DE CONVERSA, um programa de entrevistas e debates. As entrevistas podem ser vistas no site www.revistadasemana.com, menu SALA DE CONVERSA. Bancário aposentado do Banco do Brasil e Auditor Fiscal do Trabalho aposentado.

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