Os 35 anos da ‘Constituição Cidadã’ (com comentário nosso)

By | 05/10/2023 7:09 am

Há razões para celebrar a efeméride. Mas só uma corajosa reflexão sobre as deficiências da Carta fará com que o texto siga como o farol mais brilhante das liberdades democráticas

 

Imagem ex-librisCompletam-se hoje 35 anos de promulgação da Constituição de 1988. Há razões de sobra para que esse marco histórico da democracia brasileira seja celebrado, mas, especialmente, por ser esta a Constituição, entre as sete que já vigoraram desde a Independência, a que melhor reflete o justo anseio de uma sociedade livre e plural por participar das escolhas políticas que, dia após dia ao longo de todo esse tempo, têm feito do Brasil um país menos desigual e mais próspero.

Malgrado as suas muitas deficiências, já tantas vezes apontadas por este jornal, inclusive durante a Assembleia Nacional Constituinte, e as atribulações políticas e institucionais ao longo de sua vigência, incluindo nada menos que a cassação de dois presidentes da República por crimes de responsabilidade, o fato é que a Constituição de 1988 triunfou sobre os seus inimigos – sejam os que tentaram sabotá-la no nascedouro, sejam os que a ameaçaram como nunca nos últimos quatro anos –, ganhou os corações e mentes dos brasileiros e permitiu ao País experimentar o mais longevo período de normalidade democrática da história republicana.

Em respeito aos fatos, porém, é forçoso dizer que, em meio ao restabelecimento de direitos e garantias fundamentais que foram eliminados durante a ditadura militar (1964-1985), além da concepção de todo um arranjo institucional para sustentar o Estado Democrático de Direito, a Constituição é prolixa, disfuncional e por vezes incongruente ao longo de seus 250 artigos.

Compreende-se a sofreguidão com que os constituintes originários decidiram alçar à Lei Maior uma série de temas que, quando muito, deveriam se circunscrever à legislação ordinária. Mas essa decisão custou caro ao País. Não são poucos os direitos que só existem no papel; e não são poucos os deveres virtualmente impossíveis de serem cumpridos – que o digam milhares de prefeitos Brasil afora.

Esses defeitos, omissões e excessos da Constituição não raro têm dado azo a interpretações equivocadas, no melhor cenário, e manipulações, no pior, que perpetuam privilégios incompatíveis não só com os princípios que iluminaram a sua redação, mas com a própria ideia de República. É espantoso o grau de desassombro com que a Constituição foi violada ao longo desses 35 anos, ora de forma acintosa, ora por meios sub-reptícios, independentemente do viés político-ideológico dos governos e legislaturas de turno.

Entretanto, boa ou ruim, a Constituição é o que é, e como tal deve ser respeitada por todos e protegida por aqueles a quem a própria Lei Maior incumbe dessa nobilíssima missão: os onze ministros do Supremo Tribunal Federal (STF).

Há poucos dias, o presidente do STF, ministro Luís Roberto Barroso, ilustrou bem como o desrespeito contumaz à letra da Constituição, como se sua validade fosse seletiva ou balizada por interesses inconfessáveis, pode se enraizar no Estado e na sociedade a ponto de anestesiar os cidadãos. Para inaugurar sua gestão à frente do Supremo, o ministro pautou o julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 347, que trata do “estado de coisas inconstitucional” instalado nos presídios Brasil afora. Pode-se (e deve-se) questionar a excentricidade da tese, mas não há como negar que nada avilta tanto os direitos e garantias fundamentais de uma Constituição dita “cidadã” do que as condições subumanas do sistema prisional brasileiro. É uma questão fundamental a ser debatida com coragem e honestidade intelectual por toda a sociedade.

Neste 35.º aniversário da carinhosamente chamada “Constituição Cidadã”, é tempo para o País celebrar seus avanços civilizatórios e, ao mesmo tempo, refletir sobre os não poucos desafios que ainda persistem. É hora de a sociedade unir esforços para fortalecer as instituições democráticas consagradas pela Carta Política da redemocratização e promover as reformas necessárias para que a Constituição seja menos disfuncional e cada vez mais forte. Só assim ela haverá de seguir como o farol mais brilhante dos direitos e do sentido de justiça para todos os brasileiros por muitos anos à frente.

Comentário nosso

Não resta dúvida de que a Constituição tem os seus defeitos e merece  reparos. O pior é que o Congresso que nós temos não tem capacidade para nos dar uma Constituição melhor do que a que temos. Quem só pensa nos  próprios interesses, não vai ter interesse nenhum pelo interesse dos outros. A única saída seria convocar uma Constituinte cujos participantes fossem escolhidos entre todos os cidadãos, com exceção dos ocupantes de cargos políticos de qualquer natureza. (LGLM)

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Category: Destaques

About Luiz Gonzaga Lima de Morais

Formado em Jornalismo pelo Universidade Católica de Pernambuco, em 1978, e em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, em 1989. Faz radiojornalismo desde março de 1980, com um programa semanal na Rádio Espinharas FM 97.9 MHz (antiga AM 1400 KHz), na cidade de Patos (PB), a REVISTA DA SEMANA. Manteve, de 2015 a 2017, na TV Sol, canal fechado de televisão na cidade de Patos, que faz parte do conteúdo da televisão por assinatura da Sol TV, o SALA DE CONVERSA, um programa de entrevistas e debates. As entrevistas podem ser vistas no site www.revistadasemana.com, menu SALA DE CONVERSA. Bancário aposentado do Banco do Brasil e Auditor Fiscal do Trabalho aposentado.

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