Boicote na segurança pública

By | 09/10/2023 7:13 am

Está em curso uma tentativa de retirar as câmeras dos uniformes da polícia paulista. Além de retrocesso civilizatório e republicano, é opção por uma polícia disfuncional e violenta

Imagem ex-librisExiste no governo paulista um embate entre duas visões sobre a polícia, embate este que pode ter reflexos muito além dos limites territoriais do Estado de São Paulo. Desde 2014, vem sendo implementada a política de câmeras nos uniformes dos policiais. Os resultados são muito positivos e, em certo sentido, disruptivos. Quando a atuação policial é registrada por câmeras de vídeo, há um outro horizonte probatório. Entende-se a dinâmica da abordagem com enorme riqueza de detalhes. São colhidos mais elementos, como a presença de testemunhas que não haviam sido mencionadas num primeiro momento. De alguma forma, tem-se aquilo que sempre foi buscado e, por limitações tecnológicas, antes não era possível ter: o registro objetivo da atividade policial.

No entanto, o novo patamar de conhecimento sobre a atividade policial vem causando não pequeno desconforto em quem se acostumou aos moldes antigos, sem transparência. Era um cenário – não há como negar – confortável para os maus policiais. Não havia contraprova. Era apenas a voz do agente estatal a respeito dos fatos, contra a versão dos “bandidos” e “criminosos”.

Esse embate ficou muito nítido na Operação Escudo, realizada no Guarujá, que em 40 dias matou 28 pessoas. Foi a operação policial mais letal no Estado de São Paulo desde o massacre do Carandiru, em 1992. Há suspeitas de abusos e de execução sumária por parte da polícia. Do outro lado, o governo estadual paulista afirma que todas as mortes decorreram da reação de criminosos à incursão da polícia. O fato é que ninguém sabe ao certo o que ocorreu, por uma simples razão. A maioria das mortes ocorreu quando os policiais não estavam usando as câmeras corporais nas fardas – ou mantinham os equipamentos desligados.

Para muitos, o que ocorreu no litoral paulista evidencia a necessidade de manter e reforçar a política de bodycams nos policiais. Se as cenas tivessem sido registradas, os agentes que atuaram corretamente estariam protegidos das atuais suspeitas sobre sua conduta e aqueles que eventualmente se excederam, ou agiram além do que a lei e o treinamento policial orientam, seriam devidamente responsabilizados.

No entanto, paradoxalmente, há quem veja na experiência da Operação Escudo a oportunidade para a reversão da política de câmeras nos uniformes policiais que vem sendo implementada há quase uma década. A operação seria a grande prova do “risco” que os policiais correm com as câmeras, como se o que pudesse ter sido registrado fosse dificultar o seu trabalho.

Não há como tapar o sol com a peneira. A resistência às câmeras é uma declaração de que a polícia, para fazer o seu trabalho, precisa dispor de certo nível de invisibilidade. Nem tudo o que ela faz deveria vir à luz do dia – isto é, nem tudo deveria ser acessível à população –, pois, nesse caso, os agentes já não teriam a liberdade de fazer “o que precisa ser feito”. É a defesa da polícia à margem da lei.

Sob nenhum ponto de vista é justificável reduzir intencionalmente a transparência da atividade estatal. A câmera no uniforme dos agentes ajuda a garantir os direitos dos cidadãos durante as abordagens e ações policiais. Também contribui para a produção de provas judiciais e para a formação e treinamento dos agentes públicos. Além disso, a transparência beneficia o bom trabalho dos policiais. Com o registro em vídeo dos fatos, as ações policiais em defesa da lei podem ser facilmente justificadas. Em vários julgados, o Poder Judiciário tem incentivado o uso da tecnologia como meio de dissipar dúvidas e assegurar direitos.

A história das câmeras nos uniformes dos policiais paulistas mostra que mesmo um indiscutível avanço gera resistência – uma resistência motivada não por efeitos colaterais indesejados, mas precisamente pelos resultados positivos. Como as bodycams estão conseguindo expor como os policiais atuam, há quem queira desativá-las.

Não basta desenvolver uma boa política pública. É preciso resistir perseverantemente ao boicote de quem estava muito satisfeito com o ancien régime.

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Category: Blog

About Luiz Gonzaga Lima de Morais

Formado em Jornalismo pelo Universidade Católica de Pernambuco, em 1978, e em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, em 1989. Faz radiojornalismo desde março de 1980, com um programa semanal na Rádio Espinharas FM 97.9 MHz (antiga AM 1400 KHz), na cidade de Patos (PB), a REVISTA DA SEMANA. Manteve, de 2015 a 2017, na TV Sol, canal fechado de televisão na cidade de Patos, que faz parte do conteúdo da televisão por assinatura da Sol TV, o SALA DE CONVERSA, um programa de entrevistas e debates. As entrevistas podem ser vistas no site www.revistadasemana.com, menu SALA DE CONVERSA. Bancário aposentado do Banco do Brasil e Auditor Fiscal do Trabalho aposentado.

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