A grande maioria da população brasileira é pobre, enfrentando diariamente problemas muito diferentes daqueles vividos por quem está no poder. A política é cuidar de quem mais precisa
Entre outros pontos, esse dado mostra que o Estado tem um papel importante a cumprir. Dito de outra forma, a política não tem o direito de ser disfuncional. Não pode ficar tratando de questões imaginárias, de falsas polêmicas, de meros embates ideológicos. Há problemas reais sérios que precisam ser enfrentados.
O Brasil não é propriamente um país pobre. Tem muitas riquezas, produz muitas coisas, apresenta muitas potencialidades. Mas, mesmo não sendo pobre, tem – eis a realidade – uma população majoritariamente pobre, com várias e sérias vulnerabilidades, a começar pela própria questão alimentar e educativa das novas gerações.
Essa realidade socioeconômica do País deve levar a um profundo realismo na vida pública. Especialmente porque as pessoas que exercem o poder, seja em que esfera for, raramente pertencem às faixas mais pobres da população. É fácil, portanto, que os problemas reais que afetam a imensa maioria dos brasileiros sejam ignorados ou relegados.
Caso nítido dessa desconexão entre quem detém o poder e a realidade social é o contínuo reconhecimento pelo Judiciário de novos direitos e novas equiparações – novas regalias – às elites do funcionalismo público, em especial às carreiras jurídicas públicas. Exemplo chocante ocorreu entre 2014 e 2018, quando, num período de grave crise social e econômica no País, uma decisão liminar concedeu auxílio-moradia a todos os juízes e membros do Ministério Público.
A política deve cuidar de todos, atender todos. Mas deve, sobretudo, cuidar, atender e zelar pelos que mais necessitam. Infelizmente, não é o que ocorre muitas vezes, revelando, entre outros problemas, uma grave deficiência de representatividade. Há um regime democrático – todo o poder emana do povo –, a maioria da população é pobre, mas o poder parece servir a outros interesses, a um outro público.
Não são questões teóricas. Agora, por exemplo, o Congresso discute a reforma tributária. Todos os dias há notícias de grupos de interesse tentando alguma regalia, algum regime diferenciado, algum tratamento privilegiado. É patente a existência de um esforço para desvirtuar a reforma, fazendo com que as regras tributárias sejam indutoras de desigualdade – o que representa um desvirtuamento do próprio Estado.
A funcionalidade da política é um assunto muito sério. Não cabe ignorar os problemas reais da imensa maioria da população. Tome-se o exemplo da questão do saneamento básico: depois de uma batalha política de anos, o Congresso aprovou o marco do saneamento básico (Lei 14.026/2020), como medida para reverter uma situação absolutamente lamentável e desumana, e, no entanto, há ainda hoje gente com poder tentando impedir a implementação do novo regime, com o objetivo de defender os interesses de empresas estatais ineficientes, que não atendem minimamente às necessidades básicas da população, como água encanada e esgoto tratado.
Não basta um partido ou grupo político dizer que defende os pobres ou declarar-se progressista se, depois, sua atuação prática é em defesa de interesses corporativos ou de determinados grupos mobilizados politicamente. Fenômeno frequente no País, essa incoerência é certamente uma das causas para que o exercício do poder no regime democrático seja tão indiferente às necessidades reais da população.
A política é cuidar de quem mais precisa. Isso é democracia, compromisso com o interesse público. E esse deve ser o grande critério de avaliação da atuação do Estado, de suas políticas públicas e das reformas legislativas. Essas medidas estão efetivamente melhorando a vida das pessoas mais pobres, que são no Brasil a grande maioria?