O Rio de joelhos

By | 25/10/2023 8:53 am

Não foi da noite pra o dia que as milícias acumularam o poder de parar a cidade quando lhes dá na veneta. Isso é decorrência de anos de promiscuidade entre criminosos e agentes do Estado

 

Imagem ex-librisA morte do miliciano Matheus da Silva Resende, vulgo “Teteus”, parou o Rio de Janeiro no fim da tarde de segunda-feira passada. Como isso foi possível, é dever do governador Cláudio Castro explicar. Em represália à operação da Polícia Civil que culminou na morte do criminoso, o segundo na hierarquia de uma das milícias mais poderosas do Estado, seus comparsas atearam fogo a ao menos 35 ônibus, deixando milhares de cariocas a pé e em pânico na volta do trabalho. Ademais, o bloqueio de vias públicas deu um nó no trânsito da capital fluminense, violando o direito de ir e vir inclusive de quem estava a quilômetros da zona oeste da cidade, epicentro dos atos que Castro classificou como “terroristas”.

Se essa desabrida afronta ao poder estatal e a violência praticada contra gente inocente a bordo dos ônibus ou não podem ser classificadas como terrorismo, o Ministério Público e o Poder Judiciário vão dizer. O fato é que, seja qual for a tipificação dos crimes, os cariocas vivem aterrorizados com essa guerra por domínio territorial que há décadas tem formado zonas de exclusão no Rio, como se fossem enclaves dos quais não se entra ou sai sem a anuência dos barões do crime organizado – sejam eles das milícias ou do tráfico de drogas, quando não das “narcomilícias”.

Não poderia haver evidência mais cabal de que o Rio está de joelhos diante do crime organizado do que o inferno em que se transformou a vida dos cariocas naquele dia, e simplesmente porque um bandido morreu em confronto com a polícia. A declaração de Cláudio Castro, à guisa de justificativa, de que o serviço de inteligência da polícia não anteviu os ataques dos milicianos porque “não foram ações coordenadas” só ilumina esse quadro lamentável de absoluta falência do Estado para exercer uma de suas atribuições fundamentais, detentor que é do monopólio da violência.

Um dos sinais mais fortes da falência do poder público é o fato de que menos de 2% do território da cidade do Rio está fora do domínio do tráfico ou das milícias, segundo o Grupo de Estudos de Novos Ilegalismos da Universidade Federal Fluminense (UFF). Isso não apenas coloca em risco a vida dos cidadãos, mas também macula a imagem do Brasil no cenário internacional, minando a percepção de segurança e comprometendo investimentos.

A bem da verdade, em se tratando do Rio, é pertinente refletir: está-se diante de incompetência propriamente dita, isto é, de incapacidade do Estado para agir, ou, é forçoso dizer, de leniência, quando não cumplicidade entre setores do Estado e as organizações criminosas? Afinal, reação de bandidos a investidas da polícia contra seus negócios sempre houve. O que parece ser novo, no caso em tela, é a escala inaudita dessa resposta da milícia à operação da Polícia Civil que acabou por eliminar um dos seus.

Não é desarrazoado pensar que houve algum ruído nessa espécie de pacto de convivência entre alguns agentes do Estado e a milícia a que pertencia o tal de “Teteus”. Pois é disso que se trata, de um mutualismo pernicioso que faz dos cariocas reféns da promiscuidade entre criminosos e agentes públicos que, em tese, deveriam combatê-los. Não é por acaso que, na origem da formação das milícias, estão justamente servidores do Estado – policiais e bombeiros – que, exatamente como faz a Cosa Nostra siciliana, se organizaram para “proteger” a população contra traficantes e outros tipos de delinquentes – e cobrando caro pelo “serviço”.

Ora, um bando com o poder de parar uma das capitais mais importantes do País, cuja paisagem é a imagem mais representativa do Brasil no exterior, não nasce da noite para o dia nem tampouco prospera nos negócios ilegais sem contar com a cumplicidade de agentes públicos. Esse acúmulo de poder do crime organizado – seja o tráfico de drogas, sejam as milícias – decorre de um processo de degradação do poder estatal que vem de décadas. Esse problema não será superado até que, entre outras medidas, policiais voltem a ser policiais, e bandidos voltem a ser bandidos. Hoje, os cariocas são incapazes de fazer essa necessária distinção.

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About Luiz Gonzaga Lima de Morais

Formado em Jornalismo pelo Universidade Católica de Pernambuco, em 1978, e em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, em 1989. Faz radiojornalismo desde março de 1980, com um programa semanal na Rádio Espinharas FM 97.9 MHz (antiga AM 1400 KHz), na cidade de Patos (PB), a REVISTA DA SEMANA. Manteve, de 2015 a 2017, na TV Sol, canal fechado de televisão na cidade de Patos, que faz parte do conteúdo da televisão por assinatura da Sol TV, o SALA DE CONVERSA, um programa de entrevistas e debates. As entrevistas podem ser vistas no site www.revistadasemana.com, menu SALA DE CONVERSA. Bancário aposentado do Banco do Brasil e Auditor Fiscal do Trabalho aposentado.

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