(Um poema de João Batista de Siqueira “Cancão”)
Raiou o dia, um soluço
Se espalhava choroso
Era o vento pesaroso
Que soluçava convulso
O sol focava debruço
Nas janelas do levante
O céu, um manto brilhante
Cravejado de cristais
Denunciava os sinais
De um dia emocionante
O sol brilhante surgia
Como um disco luminoso
O sino, triste e choroso
Penosamente batia
A branda aragem tangia
Suas notas sonolentas
As quais ecoavam lentas
Amedrontando as corujas
Por entre as paredes sujas
Das catacumbas cinzentas
O cemitério de abria
Por entre feixes de luzes
Capelas por sobre cruzes
Em toda parte se via
Só mesmo o vento bulia
As flores recém-abertas
As borboletas incertas
Esvoaçavam constantes
Pelos rosais verdejantes
Das sepulturas desertas
Cruzes erguidas aos pares
Uma ou outra vela acesa
Davam profunda tristeza
Aos brancos véus tumulares
Os sepulcros seculares
Pareciam pensativa
Onde os espíritos cativos
Pediam, por compaixão
Uma pequena oração
Do mundo ingrato dos vivos
Ouvia-se a todo momento
Pelos túmulos solitários
O tilintar dos rosários
Ao brando sopro do vento
Algum jazigo cinzento
Cobertos de aranhóis
Nos parecia lençóis
Pelos tempos nodoados
Em muitas partes, queimados
Das ardentias dos sóis
Depois mansamente um hino
Em meia-voz entoavam
Suas notas se casavam
Ao som choroso do sino
Lá, no recanto, um menino
Lembrava o pai que perdeu
Lia no jazigo seu
Com todo esclarecimento
A data do nascimento
E o dia em que faleceu
Enquanto os ventos sopravam
Nas sinistras sepulturas
Das catacumbas escuras
Alguns morcegos voavam
Os marimbondos chegavam
Do telhado das pedreiras
Em procuras das carneiras
Onde fizeram moradas
Entre as casas penduradas
Nos recantos das caveiras
O filho lembrava aquele
Que o criou com carinho
Se ajoelhava pertinho
Da cruz do jazigo dele
Pedia a Jesus por ele
No mais doloroso ‘ai’
Dizendo ‘Cristo, mandai
Remédio ao meu sofrimento
Que o filho de sentimento
Respeita os ossos do pai’
Via-se em cada rosto
Um triste desolamento
Os sinais de um sentimento,
As histórias de um desgosto
Cada qual fazia encosto
Nos sepulcros carcomidos
Lembrando os entes queridos
Pai, mãe, irmã, irmão
Que entre as cinzas do chão
Foram desaparecidos
A brisa fresca e macia
Que vinha lá do oásis
Passava dizendo frases
Que só Jesus entendia
Parecia que dizia
Coisas de quem já morreu
Pelo balbuciar seu
Mostrava nas sepulturas
Vestígios das criaturas
Que a terra ingrata comeu
Quem olhasse o cemitério
Nesse momento tristonho
Va a aparência de um sonho
Onde reinava um mistério
Tão lutuoso e funéreo
Na contínua solidão
Talvez nessa ocasião
Os nossos entes amados,
Lembrando os gratos passados,
Chorassem no pó do chão
Vamos deixar o rancor
E viver sem ambição
Colocar no coração
Só pensamentos de amor
Orar com todo fervor
Desejando sempre o bem
Não odiar a ninguém
Pedir a Deus boa sorte
E esperar pela morte
Que com certeza ela vem
João Batista de Siqueira “Cancão”
Fonte: “Palavras ao Plenilúnio”, JÚNIOR, Lindoaldo V. Campos, Editora Universitária, pags 225 a 228.