Goste ou não o presidente Lula da Silva do tema, a segurança pública é uma prioridade nacional. Trata-se de uma necessidade vital da população, que o governo federal e os estaduais não podem ignorar – o que inclui admitir a natureza e a exata dimensão do problema, em suas várias camadas. Por exemplo, não é possível vislumbrar um futuro de paz sem uma educação pública de qualidade. Investir em educação é, portanto, cuidar da segurança pública. Mas não basta educar melhor. A segurança pública envolve medidas, atividades e tarefas específicas de prevenção, contenção e punição da violência e da criminalidade.
Este jornal defende uma nova tomada de consciência a respeito do problema da segurança pública, seja por parte do Estado, em suas várias esferas, seja pela própria sociedade. O que foi feito até aqui é escandalosamente insuficiente. Não é possível continuar fingindo que o problema está sendo enfrentado. Não está.
Sem a pretensão de oferecer soluções mágicas, que não existem, mencionam-se abaixo quatro aspectos referentes a uma política de segurança pública responsável.
O primeiro aspecto é, na verdade, uma condição: a necessidade de um novo compromisso do poder público com a segurança pública. Como o problema é difícil e complicado – as causas são antigas e o enfrentamento delas ultrapassa o tempo do mandato –, os governantes atuam como se não fossem responsáveis pelo tema.
Trata-se de uma situação disfuncional e desesperadora: todo mundo sabe que existe um problema grave, mas ninguém o enfrenta. No máximo, tenta-se escondê-lo com medidas imediatistas e espalhafatosas. Infelizmente, exemplos ineficazes não faltam. Caso paradigmático foi a intervenção federal na segurança pública do Rio de Janeiro decretada em 2018, que “não fez nenhuma diferença no crime organizado”, como lembrou a economista Joana Monteiro, coordenadora do Centro de Ciência Aplicada à Segurança da FGV.
Segundo aspecto: toda e qualquer política de segurança pública passa por reformar as polícias. Não basta injetar mais recursos. Em muitos lugares, setores da polícia são parte central do problema de segurança pública, não havendo separação entre polícia e bandido. Há experiências positivas de recrutamento, formação e acompanhamento de agentes policiais. O que não tem cabimento é buscar o retrocesso – por exemplo, retirando as câmeras dos uniformes dos policiais.
Um terceiro ponto se refere aos presídios. Muitos deles são territórios dominados por organizações criminosas – várias nasceram lá dentro –, sendo utilizados para recrutamento de novos integrantes das facções. É preciso melhorar as condições de controle das prisões, o que inclui infraestrutura minimamente condizente com a dignidade humana, e repensar seriamente quais crimes merecem ser punidos com pena de prisão. É um debate que não pode ser adiado.
Quarto aspecto: segurança pública não é teoria. É policiamento ostensivo, é controle sobre armas de fogo, é iluminação pública, é resolução efetiva dos homicídios, entre outras muitas tarefas, nas quais o Estado brasileiro tem sido manifestamente falho. No Rio, nove em cada dez casos de homicídios não são responsabilizados depois de cinco anos. A paz e a ordem públicas não são objetivos impossíveis, mas o poder público tem de trabalhar.
Não urge que haja mais populismo ou que os mesmos erros sejam repetidos. A urgência é de responsabilidade, para desenvolver políticas de segurança pública baseadas em evidências, coordenadas entre os diversos entes da Federação e estáveis, que não sejam trocadas a cada novo mandato.
Comentário nosso
Muito pertinente o alerta do Estadão. Mas a nosso ver a maior prioridade é reformar as polícias. A população pode dar uma contribuição muito grande informando à polícia os fatos de que tem conhecimento e que poderiam levar a elucidação de muitos crimes e evitar a impunidade que é o maior realimentador da violência. Mas, infelizmente a população não confia na polícia e teme que os bandidos tomem conhecimento das informações que passou para as autoridades e se vinguem de quem informou. Além do mais, mesmo passando informações, na maioria das vezes não ver nenhum resultado em providências tomadas. Um amigo me fazia queixa outro dia de que passou informações sobre uma boca de fumo próximo a sua residência há mais de três meses e o comércio continua como sempre. A desculpa que recebeu é que a Polícia só pode agir com autorização judicial, desculpa esfarrapada por que nada impede que a polícia investigue e, em apurando, indícios pode fazer flagrantes independente de autorização judicial. A única explicação para que tal aconteça é que muitas vezes, a própria polícia acobertaria os traficantes. Afinal, como é que todos numa rua sabem onde tem uma “boca de fumo” e só a polícia não sabe? Concluindo, muitos crimes poderiam ser desvendados e punidos com a colaboração da população, mas o cidadão deixa de informar os fatos de que tem conhecimento, porque não confia na própria polícia e quando informa nunca vê os resultados. (LGLM)