As instituições funcionam. Mas para quem? (com comentário nosso)

By | 12/11/2023 7:02 am
Imagem ex-librisDesde a Era Iluminista, os Estados nacionais foram reconfigurados pela sucessiva consolidação de três categorias de direitos: civis (como propriedade ou liberdade de expressão), políticos (de eleger e ser eleito) e sociais (como educação, saúde ou previdência). A Constituição de 88 consagrou essa evolução. Ao constituir a República como um Estado “Democrático de Direito”, ela estabelece que a lei é igual para todos e será definida e implementada pelo povo, por meio de seus representantes eleitos no Legislativo e Executivo, e interpretada pelo Judiciário, cujos representantes máximos nas cortes superiores são selecionados pelos representantes eleitos. Sobre os dois pilares da “democracia liberal”, o constituinte arquitetou o terceiro aspecto do Estado moderno: o “bem-estar social”.

Esse governo “do povo, pelo povo, para o povo, não perecerá na terra”, augurou Abraham Lincoln. Mas na última década ele tem se degradado em todo o mundo. Institutos como o V-Dem, o Economist Intelligence Unit, a Freedom House e o World Justice Project documentam a deterioração das instituições democráticas, das liberdades fundamentais e do Estado de Direito. A erosão das taxas de prosperidade e igualdade vem a reboque.

O Brasil segue esse padrão, com uma agravante. Os direitos civis, políticos e sociais formalizados na Constituição estão se deteriorando antes de terem se consolidado. Incompleta, a cidadania brasileira está se degradando. O Estado é cindido em dois: um para uma minoria de privilegiados, outro para uma maioria de marginalizados. As elites do poder público e iniciativa privada gozam de todas as garantias, liberdades e benesses que o dinheiro pode comprar e o poder pode conferir. No outro extremo, há uma massa de degredados para os quais a Constituição é letra morta.

Esse “estado de coisas inconstitucional” é particularmente evidente na Justiça, em especial na Justiça penal. No ranking do Rule of Law Index do World Justice Project, que mede a percepção do Estado de Direito junto a acadêmicos, operadores do direito e lideranças civis, o Brasil ocupa a 81.ª posição entre 140 países. Na Justiça penal, está na 112.ª posição, com péssimas avaliações na investigação criminal (107.ª), sistema correcional (130.ª) e tempestividade e eficácia dos julgamentos (132.ª). O índice classifica nosso sistema prisional como o segundo menos imparcial do mundo, só à frente da Venezuela.

Judiciário e Ministério Público, a elite do serviço público, extraem do Estado todos os privilégios possíveis e imagináveis. No extremo oposto, o sistema prisional, uma terra arrasada de direitos, exprime a falência do Estado. Em tese, esse sistema deveria atender a três fins: proteção da sociedade, dissuasão dos aspirantes ao crime e ressocialização dos condenados. Na prática, ele subverte esses fins, transformando-se numa usina do crime.

A desigualdade social é precedida e perpetuada pela desigualdade jurídica. Compare-se, por exemplo, a experiência de dois cidadãos supostamente iguais perante a lei. O ministro da Suprema Corte Alexandre de Moraes e seus familiares, que alegam terem sido vítimas de agressão no aeroporto de Roma, foram admitidos como assistentes de acusação na fase de investigação, um exótico privilégio, e foram favorecidos pela imposição do sigilo às filmagens que comprovariam o delito. Diverso foi o caso, recentemente abordado no podcast Rádio Novelo Apresenta, do jovem ativista Pedro Henrique Santos Cruz, de Tucano, na Bahia. Frustrado após suas denúncias de abusos por policiais terem sido ignoradas pela Justiça, Pedro organizou uma série de protestos. Por anos foi hostilizado por policiais. Em 2018, três homens encapuzados invadiram sua casa e o executaram a tiros. Testemunhas acusam policiais. Apesar das mobilizações da família, o caso nunca foi devidamente investigado.

As instituições estão funcionando? Depende. A resposta em Tucano será uma; em Brasília, outra. A do cidadão Alexandre de Moraes será uma, a do cidadão Pedro Henrique não será dada, porque ele foi morto sob a negligência do Estado, se não por agentes do próprio Estado. Mas a resposta de sua família e de uma legião de jovens da periferia como ele será inequívoca: um categórico “não”.

Comentário nosso

Há aí uma grande verdade. Por conta disso, numa simples ação civil de disputa por terra, por exemplo, o rico tem 99% de possibilidade de ganhar a questão. Num furto cometido por um preto, um pobre ou uma puta, o indivíduo será preso muito mais rapidamente do que se cometido por um rico. Até porque a polícia conhece quem pratica cada modalidade e em favor do rico há sempre uma presunção de honestidade. O pobre pena para conseguir um advogado, por que não tem condições de pagar.  A justiça gratuita só o acode depois que o processo  está em andamento, ele está preso aguardando que processo ande o mais lentamente possível. Se o rico comete um crime e é preso em flagrante, não vai faltar um juiz ou desembargador para liberá-lo até de madrugada.  Cada um de nós conhece dezenas de casos de injustiças cometidas pela polícia e pela justiça e 99% delas prejudicando um pobre.  A Constituição de 88 até que é bem intencionada, mas vive a ser deteriorada pelo Congresso Nacional, em sua maioria composta de ricos ou seus puxa-sacos, eleitos pelos mesmos eleitores que os elegeram e que eles só irão prejudicar.  “Quem tem bestas, não compra cavalos” há muito garante a sabedoria popular. (LGLM)

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About Luiz Gonzaga Lima de Morais

Formado em Jornalismo pelo Universidade Católica de Pernambuco, em 1978, e em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, em 1989. Faz radiojornalismo desde março de 1980, com um programa semanal na Rádio Espinharas FM 97.9 MHz (antiga AM 1400 KHz), na cidade de Patos (PB), a REVISTA DA SEMANA. Manteve, de 2015 a 2017, na TV Sol, canal fechado de televisão na cidade de Patos, que faz parte do conteúdo da televisão por assinatura da Sol TV, o SALA DE CONVERSA, um programa de entrevistas e debates. As entrevistas podem ser vistas no site www.revistadasemana.com, menu SALA DE CONVERSA. Bancário aposentado do Banco do Brasil e Auditor Fiscal do Trabalho aposentado.

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