Coube à presidente do partido, Gleisi Hoffmann, demarcar o tom e a intensidade da artilharia – que, a propósito, ignora o fato de que é o equilíbrio macroeconômico que dá sustentação a qualquer governo no longo prazo. Em debate com Haddad, Gleisi expôs o seu raciocínio primitivo em matéria econômica: “Se o privado não está bem, o Estado tem que entrar com tudo. O que tem de ser feito ano que vem: executar o Orçamento inteiro, não é um déficit que vai mudar (a situação do País)”, afirmou Gleisi. Ela reforçou a ideia – já antecipada pela repórter Vera Rosa neste Estadão – sobre o que a cúpula petista chama de “austericídio fiscal”. Daí concluiu que o governo não deveria se preocupar com o resultado fiscal.
O líder do PT na Câmara, José Guimarães, foi sincero: “Se tiver que fazer déficit, vamos fazer, ou a gente não ganha a eleição”. Ou seja, segundo Guimarães e os muitos petistas que pensam como ele, a meta de zerar o rombo das contas públicas pode fazer com que a sigla perca as eleições municipais.
Haddad parece estar cada vez mais sozinho e inspira os temores de que a meta do déficit zero não passa de um esforço isolado da equipe econômica, sem amparo no próprio governo. Primeiro, porque, conhecendo as engrenagens de funcionamento do PT e do governo, é difícil acreditar que os movimentos de Gleisi, Guimarães et caterva não tenham o aval do presidente Lula da Silva. Segundo, porque há uma avaliação majoritária no partido de Lula de que o governo terá de contingenciar recursos de emendas parlamentares e de investimentos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) para cumprir a meta fiscal no ano que vem, o que prejudicaria o envio de verba para aliados dos petistas nos municípios.
A possibilidade de contingenciamento é real porque assim funcionam boas políticas fiscais. Mas a cúpula petista – leia-se Lula – parece não ter entendido nem aprendido nada com a história, com seus mandatos e com os próprios sucessos e fracassos. Onde o PT enxerga arrocho ou coisa que o valha é, na verdade, a chave para o crescimento econômico. Desenvolvimento, como disseram alguns economistas em reação às declarações do fim de semana, não é fruto de gasto público mal feito, e sim de investimentos – e nada disso se consegue de maneira sustentável sem que a casa fiscal esteja arrumada. No debate com Gleisi, Haddad, com razão, lembrou-lhe que não é verdade que déficit faz a economia crescer nem que superávit a faça encolher.
Não é de hoje o esforço petista para desmoralizar sistemas de metas de superávit primário e gestões que deveriam se pautar pelo óbvio: o cumprimento da lei. Em 2015, no segundo mandato de Dilma Rousseff, o então ministro Joaquim Levy tinha no PT um dos seus principais algozes no Congresso, até a ponto de eliminar qualquer resquício de credibilidade perdida no mandato anterior e que a equipe econômica tentava reconstruir. O resultado, sabemos: deterioração fiscal crescente, desequilíbrio macroeconômico e perda contínua de apoios até culminar com a crise política de 2016. A lição pareceu insuficiente, porque o PT fez o que costuma fazer: pôs o fracasso na conta de forças externas.
Haddad precisará muito mais do que qualquer competência argumentativa. Só um árbitro pode conter os delírios petistas e estimular a sensatez: Lula da Silva. Mas sobre ele pesarão não apenas os ecos da cúpula petista, como também as pressões das últimas pesquisas, que apontam viés de baixa em sua popularidade. Diante disso, Lula já concluiu que a solução é a gastança – e mandou seus sabujos no PT dizerem isso em voz alta.