Vergonhoso desrespeito à vida (com comentário nosso)

By | 24/12/2023 6:47 am

Apenas um terço dos homicídios no País é esclarecido. Não há segurança pública, nem proteção ao direito à vida, com esse índice escandaloso. Investigação estatal precisa melhorar muito

 

Imagem ex-librisOPINIÃO DO ESTADÃONos últimos sete anos, o Brasil esclareceu apenas um terço dos homicídios, aponta recente levantamento do Instituto Sou da Paz. Trata-se de uma das mais graves faces da insegurança pública. Com a terceira maior população carcerária do mundo, os presídios do País estão repletos de presos por crimes de menor potencial ofensivo – em muitos casos, presos provisórios –, enquanto o crime contra a vida permanece largamente impune.

Coletando dados desde 2015, a pesquisa Onde Mora a Impunidade? mostra que, no período, o País se manteve praticamente estagnado na resolução dos homicídios. Em 2021, último ano com dados disponíveis, a taxa nacional de esclarecimento foi de 35%. Em 2015, havia sido de 32%. A média global é de 63%. Na Europa, a taxa de resolução é de 92%; na Oceania, de 74%; na Ásia, de 72%; na África, de 52%; e nas Américas, de 43%. Como se vê, o Brasil tem muito a melhorar, não havendo nenhum motivo para condescender com os resultados sofríveis obtidos até aqui.

O estudo destaca as distorções do sistema carcerário brasileiro, que refletem, entre outras causas, as deficiências da investigação policial. Segundo o Departamento Penitenciário Nacional (Depen), 40% dos presos estão na cadeia por crimes patrimoniais; 28%, por crimes relacionados a drogas; e 11%, por homicídios. Ao mesmo tempo, o País apresenta uma taxa altíssima de homicídios: anualmente, cerca de 40 mil pessoas são assassinadas, e em 70% dos casos há emprego de armas de fogo.

“É preciso dirigir os esforços e investimentos do sistema de Justiça brasileiro para aumentar a investigação e o esclarecimento dos crimes contra a vida, em vez de lotar prisões de presos provisórios por crimes patrimoniais e por tráfico de drogas”, afirma o estudo. No sistema atual, prende-se muito por crimes que demandam baixa investigação, e crimes graves, como os homicídios, ficam impunes.

Trata-se de aspecto fundamental da soberania estatal e do respeito aos cidadãos: o Estado tem de ser capaz de esclarecer os homicídios cometidos em território nacional. Se o poder público se omite nessa tarefa, a população fica privada da proteção ao seu direito mais básico, o direito à vida. “Quando o Estado não dá resposta, a sociedade perde a confiança nas instituições, lançando mão, muitas vezes, de formas não republicanas de resolução de conflitos”, lembrou Carolina Ricardo, diretora-executiva do Instituto Sou da Paz.

O estudo adverte para a discrepância entre as taxas de esclarecimento de homicídio nos diferentes Estados da Federação. Em 2021, Bahia e Rio Grande do Norte esclareceram apenas 9% dos homicídios: um verdadeiro escândalo. Em Minas Gerais e no Paraná, a taxa foi de 76%. Com isso, fica evidente que a baixa taxa de resolução não é causada por eventuais deficiências na legislação penal e processual penal, como às vezes se afirma. As leis são as mesmas para todo o País. Ou seja, sob idêntico marco jurídico, há governos estaduais que desempenham suas funções de maneira muito mais eficiente do que outros.

Isso tudo joga luzes sobre a disfuncionalidade de muitas discussões sobre a falta de segurança pública que atribuem o problema a supostas penas brandas. Não adianta nada aumentar as penas se os crimes não são esclarecidos. Para que se possa analisar e debater seriamente a eficiência das punições atuais, o primeiro passo é aplicá-las corretamente. Alterar a lei para elevar as penas, mas continuar sem esclarecer os crimes – no caso, os homicídios – é uma cabal inutilidade, que reforça a percepção de impunidade. “Quando o Estado não investiga de forma correta e não responsabiliza os autores, dá-se um recado de que esses crimes não são importantes. E isso é um incentivo para que a prática continue acontecendo”, disse Carolina Ricardo.

Os números do Instituto Sou da Paz evidenciam a necessidade de uma nova atitude do Estado, em suas várias esferas, em relação aos homicídios. Não cabe tolerância com o crime contra a vida. Não cabe complacência com tamanha ineficiência do poder estatal.

Comentário nosso

Leia atentamente o editorial do Estadão. Ele diz tudo. A causa da impunidade não está na legislação existente no país. Está na falta de aplicação da lei. Se a maioria dos homicídios não são esclarecidos, seus autores se acham autorizados a continuar a matar mais. (LGLM)

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About Luiz Gonzaga Lima de Morais

Formado em Jornalismo pelo Universidade Católica de Pernambuco, em 1978, e em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, em 1989. Faz radiojornalismo desde março de 1980, com um programa semanal na Rádio Espinharas FM 97.9 MHz (antiga AM 1400 KHz), na cidade de Patos (PB), a REVISTA DA SEMANA. Manteve, de 2015 a 2017, na TV Sol, canal fechado de televisão na cidade de Patos, que faz parte do conteúdo da televisão por assinatura da Sol TV, o SALA DE CONVERSA, um programa de entrevistas e debates. As entrevistas podem ser vistas no site www.revistadasemana.com, menu SALA DE CONVERSA. Bancário aposentado do Banco do Brasil e Auditor Fiscal do Trabalho aposentado.

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