Apenas um terço dos homicídios no País é esclarecido. Não há segurança pública, nem proteção ao direito à vida, com esse índice escandaloso. Investigação estatal precisa melhorar muito
Coletando dados desde 2015, a pesquisa Onde Mora a Impunidade? mostra que, no período, o País se manteve praticamente estagnado na resolução dos homicídios. Em 2021, último ano com dados disponíveis, a taxa nacional de esclarecimento foi de 35%. Em 2015, havia sido de 32%. A média global é de 63%. Na Europa, a taxa de resolução é de 92%; na Oceania, de 74%; na Ásia, de 72%; na África, de 52%; e nas Américas, de 43%. Como se vê, o Brasil tem muito a melhorar, não havendo nenhum motivo para condescender com os resultados sofríveis obtidos até aqui.
O estudo destaca as distorções do sistema carcerário brasileiro, que refletem, entre outras causas, as deficiências da investigação policial. Segundo o Departamento Penitenciário Nacional (Depen), 40% dos presos estão na cadeia por crimes patrimoniais; 28%, por crimes relacionados a drogas; e 11%, por homicídios. Ao mesmo tempo, o País apresenta uma taxa altíssima de homicídios: anualmente, cerca de 40 mil pessoas são assassinadas, e em 70% dos casos há emprego de armas de fogo.
“É preciso dirigir os esforços e investimentos do sistema de Justiça brasileiro para aumentar a investigação e o esclarecimento dos crimes contra a vida, em vez de lotar prisões de presos provisórios por crimes patrimoniais e por tráfico de drogas”, afirma o estudo. No sistema atual, prende-se muito por crimes que demandam baixa investigação, e crimes graves, como os homicídios, ficam impunes.
Trata-se de aspecto fundamental da soberania estatal e do respeito aos cidadãos: o Estado tem de ser capaz de esclarecer os homicídios cometidos em território nacional. Se o poder público se omite nessa tarefa, a população fica privada da proteção ao seu direito mais básico, o direito à vida. “Quando o Estado não dá resposta, a sociedade perde a confiança nas instituições, lançando mão, muitas vezes, de formas não republicanas de resolução de conflitos”, lembrou Carolina Ricardo, diretora-executiva do Instituto Sou da Paz.
O estudo adverte para a discrepância entre as taxas de esclarecimento de homicídio nos diferentes Estados da Federação. Em 2021, Bahia e Rio Grande do Norte esclareceram apenas 9% dos homicídios: um verdadeiro escândalo. Em Minas Gerais e no Paraná, a taxa foi de 76%. Com isso, fica evidente que a baixa taxa de resolução não é causada por eventuais deficiências na legislação penal e processual penal, como às vezes se afirma. As leis são as mesmas para todo o País. Ou seja, sob idêntico marco jurídico, há governos estaduais que desempenham suas funções de maneira muito mais eficiente do que outros.
Isso tudo joga luzes sobre a disfuncionalidade de muitas discussões sobre a falta de segurança pública que atribuem o problema a supostas penas brandas. Não adianta nada aumentar as penas se os crimes não são esclarecidos. Para que se possa analisar e debater seriamente a eficiência das punições atuais, o primeiro passo é aplicá-las corretamente. Alterar a lei para elevar as penas, mas continuar sem esclarecer os crimes – no caso, os homicídios – é uma cabal inutilidade, que reforça a percepção de impunidade. “Quando o Estado não investiga de forma correta e não responsabiliza os autores, dá-se um recado de que esses crimes não são importantes. E isso é um incentivo para que a prática continue acontecendo”, disse Carolina Ricardo.
Os números do Instituto Sou da Paz evidenciam a necessidade de uma nova atitude do Estado, em suas várias esferas, em relação aos homicídios. Não cabe tolerância com o crime contra a vida. Não cabe complacência com tamanha ineficiência do poder estatal.
Comentário nosso
Leia atentamente o editorial do Estadão. Ele diz tudo. A causa da impunidade não está na legislação existente no país. Está na falta de aplicação da lei. Se a maioria dos homicídios não são esclarecidos, seus autores se acham autorizados a continuar a matar mais. (LGLM)