As emissoras AM de alcance local se despedem dos ouvintes brasileiros no dia 31 de dezembro de 2023
(Juliana Faddul, Revista Piauí, Edição 207, Dezembro 2023)
Todo dia, inclusive nos feriados, Jandira dos Anjos Motta acorda pontualmente às cinco da manhã para alimentar mais de cinquenta galinhas, além de seus galos, patos, perus, as tartarugas Pitica e Pitoco (que moram no banheiro), o papagaio Charmoso e o vira-lata Pituxa. Solteira e sem filhos, ela mora sozinha em um sítio na Serra da Cantareira, em Mairiporã, na Grande São Paulo. Tem 61 anos, já se aposentou, mas continua a prestar serviços para a mesma fábrica de produtos ortopédicos onde bateu ponto durante 27 anos. “Eu não gosto de ninguém falando o que eu tenho que fazer e quando. Gosto demais da minha liberdade”, diz Motta. Deve ser por isso que ela também não se incomoda com a solidão. “Mas eu nunca estou sozinha”, avisa. “Estou com ele” – e aponta, sorrindo, para um pequeno aparelho de rádio.
Embora tenha acesso a uma internet de ponta em sua casa, Motta prefere pautar sua rotina pela programação radiofônica. “Já tentei escutar rádio em aplicativo de celular, mas não gostei. Gosto mesmo de ouvir no radinho de pilha. De ligar, sintonizar, procurar estação. É como se fosse meu ritual.” Esse hábito cotidiano a coloca no grupo das 94 126 pessoas que ainda ouvem rádios AM na Grande São Paulo, de acordo com uma pesquisa da Kantar Ibope Media. “Eu cresci ouvindo rádio e vou morrer ouvindo. A rádio AM fala comigo, toca as músicas que eu gosto”, diz Motta. A Super Rádio é a sua emissora predileta.
No estado de São Paulo, a Super Rádio – um dos braços da Rede Mundial de Comunicações, também chamada Grupo Paulo Abreu – era, até pouco tempo, a segunda emissora AM mais ouvida, perdendo apenas para a Rádio Capital. Em setembro, ela entrou para a lista das 1 167 estações em todo o Brasil que já aproveitaram o incentivo do governo – a dispensa de licitação – para migrar da frequência AM (sigla para “amplitude modulada”) para a FM (“frequência modulada”), em cumprimento ao decreto federal nº 8139, de 2013.
Para abrigar as rádios AM locais que estão migrando para a faixa FM, o governo e a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) aumentaram a extensão desta última frequência. Antes, a faixa FM variava entre 87,7 MHz e 107,9 MHz (mega-hertz). Agora, começa em 76,1 MHz. Ao fazer a migração, a Super Rádio – que era uma emissora regional, mas mesmo assim optou pela mudança – deixou o 1150 khz (quilo-hertz) na frequência AM e passará a ocupar o 80,7 MHz na FM.
A mudança não é meramente técnica e funcional. É sinal da crise das rádios AM, iniciada há décadas, com a expansão das FMs, que têm qualidade de som superior e para onde se desviou grande parte do público e da publicidade. O declínio se ampliou agora com a popularização dos celulares, fenômeno que afeta, aliás, todo o sistema de rádio. É difícil sintonizar a frequência AM no celular, o que não ocorre com a FM. Segundo o professor Guido Stolfi, do Departamento de Engenharia de Telecomunicações e Controle da Escola Politécnica da USP, para que consiga receber a frequência AM um celular teria que ter o dobro de tamanho e de peso.
Para ouvir a faixa FM estendida que está abrigando as emissoras vindas da AM é necessário usar aparelhos compatíveis com a novidade. Em 2017, uma portaria interministerial determinou que a indústria de eletrônicos iniciasse a produção desses aparelhos, mas encontrá-los não é tarefa fácil, ao menos em São Paulo. Na primeira semana de setembro, a piauí esteve em quinze lojas da região da Rua Santa Efigênia – onde se concentram lojas de aparelhos e materiais eletrônicos – e somente oito estabelecimentos dispunham de rádios que captam a frequência estendida. A reportagem encontrou apenas seis vendedores que estavam cientes da nova tecnologia. Um deles, Rodrigo Maia, de 42 anos, trabalha em uma pequena loja na Galeria Cinel I. “Quem compra rádio em geral não pergunta se tem a faixa estendida. Sei desse assunto porque meu pai ainda acompanha missa pela rádio, lá em Parelheiros [na periferia de São Paulo], e eu tenho que sintonizar para ele”, disse o vendedor.
Um rádio pequeno de pilha pode custar entre 32 reais e 50 reais. Mas não são esses os mais vendidos, segundo Maia. São os que têm Bluetooth e entrada USB, que custam mais de 100 reais. Ele mostra um desses aparelhos, o Rádio Retro A3199T, com preço em torno de 120 reais, design à maneira dos aparelhos antigos e capaz de sintonizar as rádios AM, mas que não tem a faixa estendida de FM. A aposentada Jandira Motta foi uma das clientes que se enganou na hora de adquirir um aparelho novo para ouvir a Super Rádio na frequência FM. “Eu comprei achando que poderia ouvir, mas só depois vi que não tem o número [da frequência]. Vou tentar ganhar um novo no sorteio que estão fazendo na rádio.”
Por essas e outras, o apresentador acredita que as AMs ainda têm um recado a dar aos seus ouvintes. “O faturamento da FM veio, por um tempo, da indústria fonográfica e isso fez com que se comprometesse a tocar dez, doze músicas por hora. Isso matou a essência do rádio que é justamente a autenticidade da conversa, do que a AM é capaz”, diz ele. “A rádio AM não vai acabar porque a sua essência é a conversa.” Para Pessoa, é justamente esse gosto do ouvinte brasileiro pela conversa que também explica o sucesso dos podcasts no país. “O podcast é uma rádio AM sob demanda. São pessoas conversando, debatendo uma ideia ou respondendo a um ouvinte. Os ouvintes gostam e precisam disso, seja na rádio ou na internet.” (O Brasil é o país da América Latina que, neste ano, escutou mais horas de podcasts no Spotify, o maior serviço de streaming de conteúdo audiofônico. A média foi, por ouvinte, de 7,5 horas por semana.)
Apesar do seu apego à frequência AM, Pessoa diz que a transmissão nessa faixa é cara, quando comparada à da FM. Ele está se referindo sobretudo à necessidade de a emissora ocupar um grande terreno, num lugar alto e sem muitas interferências, para instalar a antena de transmissão. “Por isso muitos proprietários de AM se sentem estimulados em eliminar a frequência am. Eles podem negociar com uma construtora o terreno que estavam usando para a antena, gerando assim dividendos para o grupo de comunicação.”
Uma particularidade tecnológica das rádios AM é a necessidade de usar torres de transmissão de grande potência, com altura entre 50 metros e 150 metros, dependendo do alcance que se queira ter. Os terrenos para abrigar transmissores desse porte variam entre 2 mil m² e 50 mil m². “O custo desse espaço acaba sendo alto. Quando as rádios AM pararem de funcionar, os grupos de comunicação, se quiserem, poderão vender esses terrenos”, diz o professor Stolfi, da Escola Politécnica. Segundo uma pesquisa da USP, os terrenos de vinte emissoras AM na cidade de São Paulo ocupam no conjunto uma área de 500 mil m², o equivalente a um terço do Parque Ibirapuera. Uma rádio FM, por sua vez, não necessita de um terreno para a sua torre de transmissão, que tem cerca de 5 metros de altura e pode ser colocada no alto de um prédio. É esse tipo de antena que se vê no topo dos edifícios da Avenida Paulista.
A emissora AM local que não quiser aproveitar a migração para FM e decidir se tornar uma AM regional precisará, mesmo assim, “turbinar” o seu terreno de transmissão para abrigar uma antena mais potente – e mais cara. Por isso, a migração para FM é considerada mais razoável do ponto de vista financeiro.
O transmissor de AM também consome muita energia elétrica. “A potência do transmissor é extremamente alta”, diz Stolfi. Se uma emissora precisa transmitir 100 kWh (quilowatt-hora), o transmissor precisa ter uma capacidade quatro vezes maior (de 400 kWh), o que encarece em demasiado a conta de luz. O custo mensal com energia elétrica de um transmissor AM apenas varia, em média, entre 50 mil e 60 mil reais. Isso significa que a mudança de faixa radiofônica pode trazer benefícios para o meio ambiente, com a economia de energia – o que também pesou na decisão do governo de estimular a troca de AM para FM.
Outro fator que hoje depõe contra o sistema AM é a interferência externa durante a transmissão, que ocorre principalmente em metrópoles, onde há muitas ondas eletromagnéticas circulando na atmosfera e às quais o sinal de AM é muito sensível. Sem falar nas ondas eletromagnéticas emitidas por relâmpagos, cada vez mais frequentes e que interferem imediatamente na transmissão, produzindo chiados. Na hipótese de se ampliar o uso de carros elétricos nas cidades, então um novo passo será dado para a obsolescência das faixas AMs. As produtoras desses carros estão eliminando as antenas receptoras dessa faixa porque o motor dos veículos elétricos produz um campo magnético que funciona na mesma frequência do sinal AM (entre 530 kHz e 1600 kHz), interferindo na recepção das rádios, o que não ocorre com a faixa FM.
Conforme o decreto de 2013, a migração deve ser custeada pela própria empresa de radiodifusão, que também precisa pagar ao governo uma taxa de outorga alinhada com o valor da faixa FM no mercado onde ela será inserida. “Em algum momento da vida esse cara da AM passou por uma licitação e pagou um valor. Quando eu permito que ele migre para a FM, que na visão do mercado é mais atrativa, ele tem que pagar uma diferença”, diz Wellisch, o secretário da Comunicação Social Eletrônica. “É uma questão de isonomia do mercado para quem pagou valor cheio de FM lá trás.”
O valor dessa diferença depende da potência e da região. Num mercado aquecido, como o da cidade de São Paulo, a taxa de outorga para migração pode custar entre 2 milhões e 4 milhões de reais. Em um município do interior do Norte do país costuma ficar em torno de 100 mil reais. Isso, sem contar as despesas com a mudança tecnológica. “As emissoras menores enfrentam maiores dificuldades financeiras para se adaptar tecnologicamente à mudança”, diz a professora Nelia Del Bianco, do programa de pós-graduação em comunicação da Universidade de Brasília. “A gente tem uma ideia de que donos de emissoras de rádio e televisão são muito ricos. E de fato muitos são, mas temos que colocar em perspectiva que o Brasil não é um país igual. Muitos desses valores são impagáveis para alguns empresários, que preferem apenas devolver a outorga.” De acordo com o Ministério das Comunicações, 156 emissoras AM locais decidiram fechar as portas, número que Del Bianco considera baixo, comparado ao das rádios que migraram para a faixa FM (1 167). Embora tenham sido feitos pedidos de ajuda ou incentivo ao BNDES, nenhum deles foi aceito para esse tipo de migração.
A Rádio Pelotense 620 AM, no Rio Grande do Sul, foi uma das que encerrou suas atividades. Inaugurada em 1925, era a rádio mais antiga do estado, não resistiu à mudança e fechou as portas em agosto deste ano. Porém, não entregou a outorga, o que significa que seus donos podem vir a reabrir a rádio em algum momento. “Fazer a migração para FM ficaria muito caro”, diz Ricardo Malheiros, presidente do Sindicato dos Radialistas do Rio Grande do Sul, que acompanhou o fechamento de perto, depois que quinze radialistas foram desligados da empresa. O terreno onde estava o transmissor AM também foi vendido. Ficava na entrada da Praia do Laranjal, uma área valorizada da cidade de Pelotas. A piauí procurou Paulo Luiz Barcelos Góz e sua filha, Luciana Fonseca de Góz Markus, que administram a rádio, mas eles não quiseram dar entrevista.
Gigantes do setor também foram afetados pela migração. A Rádio Globo, que pertence ao Grupo Globo, contava com boa audiência no segmento AM em São Paulo e resolveu migrar para a faixa FM no dia 10 de fevereiro de 2020. Feito isso, mudou totalmente a sua programação variada, para se adaptar ao estilo da nova frequência: passou a investir mais em difusão de músicas. O novo formato não conquistou novos ouvintes e ainda afastou os antigos, derrubando a audiência – até que a emissora resolveu encerrar as atividades em São Paulo em maio de 2020. A Rádio Globo continua na ativa apenas no Rio de Janeiro, na frequência FM 98,1.
Com a internet e os podcasts, tem-se a impressão de que as rádios perderam importância no Brasil. Mas nem sempre é assim. Em Altamira, no Pará, por exemplo, a Rádio Vale do Xingu FM 93.1, do mesmo grupo do SBT, continua a arrebatar ouvintes. Um dos programas mais populares é o Namoro no rádio, que promove relacionamentos amorosos e é apresentado a partir das 8h. “Eu não gosto quando chega cliente na hora do programa, porque me atrapalha de ouvir”, reclama a vendedora Iranilde Sousa, de 52 anos, funcionária de uma loja do Mercado Municipal.
Com sua voz forte e impostada de locutor, Lucas Pontes, o apresentador do Namoro no rádio, diz que foi surpreendido pelo sucesso. “O reconhecimento do pessoal nas ruas é muito gratificante. Nunca achei que teria isso”, diz ele. Além de estar à frente do programa de maior sucesso da rádio, Pontes atua como produtor e operador de som da emissora, e logo após o Namoro no rádio transmite informações sobre documentos perdidos ou esquecidos em Altamira. “Tem tanta gente que perdeu documento como tem gente que quer namorar”, diz o locutor. A voz de Pontes se espalha por vários comércios da cidade e vai além: chega até a aldeia Miratu, localizada na Terra Indígena Paquiçamba, em Vitória do Xingu, a cerca de 50 km de Altamira. “Eu gosto do Namoro no rádio quando dá certo com os casais e eles mandam mensagem junto. Acho muito bonitinho”, diz Leiliane Juruna, que vive na comunidade.
Na aldeia do povo Apurinã, na Terra Indígena Caititu, no município de Lábrea, no Amazonas, as rádios guardam uma função importante – que, no entanto, estão perdendo pouco a pouco. “A gente fica sabendo que o fulano chegou em Manaus, que tá levando saco de farinha, de tucumã… E dá para saber das notícias que passam em Manaus e no resto do estado e do Brasil”, diz o cacique Zé Bajaga, de 56 anos, que costuma ouvir as emissoras Encontro das Águas e Rio Mar, ambas da capital amazonense. Para ele, saber das notícias é uma questão de sobrevivência, tanto mais que no último ano Lábrea ultrapassou Altamira como o município mais desmatado do país. Mas as coisas estão mudando por lá no que se refere às comunicações.
Hoje em dia, quando o cacique vai a Manaus, a cerca de 850 km de distância de Lábrea, ele também manda mensagens de voz pelo WhatsApp, informando sobre reuniões de que participou, dando orientações para moradores da aldeia, enviando recados para agentes da Funai e falando de medidas que serão tomadas na comunidade. Bajaga mandou instalar uma placa da Starlink na aldeia, com internet de ponta para realizar esse tipo de alerta, e está planejando, com a ajuda de seu sobrinho Lucas Apurinã, de 17 anos, criar um grupo no WhatsApp para transmitir mensagens mais longas. “Será um tipo de rádio digital não só para a nossa aldeia, mas para todas as aldeias da região”, diz o jovem. Para muitas lideranças indígenas da região amazônica, um dos meios de informação é a Rádio Nacional da Amazônia, que faz parte da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), o conglomerado público de mídia. “A gente agora tem internet, mas quando falha a gente recorre a essa rádio de Brasília, para saber do que acontece por lá”, diz o cacique paraense Giliarde Juruna.
Thiago Regotto, gerente executivo das rádios da EBC, onde é responsável também pela Voz do Brasil, calcula que os ouvintes das emissoras estatais na região amazônica sejam cerca de 60 milhões de pessoas. Mas não é possível precisar o número, porque não há pesquisa de audiência nessa área. “O governo federal fez umas medidas para modernizar o rádio, extinguindo algumas AMs locais, por entender que o Brasil é mais urbano que rural. Só que não é bem assim que funciona o país”, diz Regotto. “A migração da AM local para a FM existe para o mercado, mas isso não se aplica a várias regiões do Brasil, principalmente o Norte, onde vivem indígenas, ribeirinhos, quilombolas, um público que não é interessante para o mercado.”
Na Noruega, as frequências AM e FM foram extintas em 2017 em prol da digitalização. A Suíça fará o mesmo no próximo ano. No Reino Unido, ao contrário, a sobrevida da rádio analógica foi estendida por alguns anos. Nos Estados Unidos, fabricantes de carros elétricos que querem eliminar a AM dos rádios dos veículos enfrentam a oposição do governo, porque é por essa frequência que são transmitidos os comunicados do Sistema de Alerta de Emergência (EAS, na sigla em inglês), com mensagens urgentes de autoridades locais, estaduais e federais, como o presidente da República. O México foi o único país da América Latina que adotou, como o Brasil, a política pública de migração de AM para FM.
O ouvinte brasileiro, como Jandira Motta, apesar do celular e outras opções tecnológicas disponíveis, continua fiel ao antigo hábito de ouvir rádio. Segundo dados da Kantar Ibope Media, 83% da população escutou rádios AM e FM todos os dias entre abril e junho de 2022, durante um tempo médio de 3 horas e 58 minutos diários. A maioria (56%) se dedicou às notícias. Uma grande parte (49%) também ouviu música. Para 43%, o rádio serviu de companhia.
Os estúdios da Super Rádio ficam em um prédio na Avenida Paulista conhecido por abrigar, além de muitas antenas no teto, várias emissoras de rádio em seus 25 andares, como a Vibe Mundial FM 95.7 e a Rádio Rock FM 89.1. No 17º andar, Ricardo Liel, de 44 anos, andava de um lado para o outro, com uma xícara de café na mão, sempre olhando as horas. Na Super Rádio, onde trabalham dez pessoas, ele acumula uma penca de tarefas: atua como operador de som, produtor, pauteiro, apresentador, cicerone de convidados e o que mais o dia demandar.
A função que Liel executa com mais carinho, porém, é comandar o programa As canções do rei, transmitido na rádio AM de segunda a sexta-feira, às 11 horas (a mudança da Super Rádio para FM vai ocorrer em janeiro). Como o próprio nome sugere, o programa só transmite músicas de Roberto Carlos. “Meu sonho sempre foi ser um grande comunicador, como Silvio Santos ou Faustão. Só a rádio pôde me dar essa oportunidade”, diz Liel. “Tive que começar do zero, sem o apoio de familiares que trabalham na rádio ou em televisão. Vim de Osasco. O jogo não é justo para nós.”
O apresentador está há dois anos à frente do programa, que é líder de audiência da Super Rádio. No dia 31 de agosto, durante uma hora de duração, ele transmitiu apenas três músicas de Roberto Carlos, intercaladas por comentários e avisos, além das publicidades (que ocuparam mais de 20 minutos) do Creme MD, o único patrocinador da atração. Logo após a vinheta de abertura, Liel transmitiu o áudio de uma criança falando “Bom dia, flor do dia” e o ruído de uma janela se abrindo. Depois, leu na Wikipédia curiosidades sobre a data, contou uma piada e explicou que na enquete daquele dia o ouvinte deveria escolher a preferida entre duas músicas do Rei: Pensamentos ou De coração pra coração. A votação é feita por WhatsApp.
Enquanto era tocada a primeira música, Arrasta uma cadeira, Liel leu mensagens no aplicativo de mensagens em uma das três telas de computador na sua frente, ouviu trechos de áudios em alta velocidade para escolher o que reproduzir assim que a música acabasse e checou a modulação de som. As mensagens no WhatsApp não paravam de chegar com os votos, que ele ia anotando num caderninho, com uma caneta. Também divertiu os ouvintes, acompanhando com sua voz desafinada o canto de Roberto Carlos. “O povo adora quando o Liel faz dupla com o Rei, é ou não é?”, ele mesmo disse durante a transmissão, o que lhe rendeu muitos emojis de risada e coração pelo WhatsApp.
Ao fim do programa, depois de tocar O côncavo e o convexo, ele anunciou a canção vencedora: De coração pra coração. Então, virou a tela do computador que monitorava as mensagens dos ouvintes para o lado e foi ao banheiro. Voltou logo para a mesa de controle de som. Ele não tinha muito tempo para firulas, já que estava para começar o Show do Rony Magrini, no qual Liel atua como coâncora e operador de som por mais duas horas.
A aposentada Jandira Motta é uma aficionada dos dois programas, lá em seu sítio na Serra da Cantareira. “É como se eu conhecesse os radialistas, entende? Se mando mensagem no WhatsApp, eles me respondem. Parece que moram aqui comigo”, ela diz. “Tem uma coisa que a AM não perdeu, e por isso ela não morreu por completo, que é o papel da pessoa por trás da rádio”, afirma o professor Léo Morel, pesquisador em cultura e novas mídias, música e streaming da Fundação Getulio Vargas (FGV). “A gente sabe que tem alguém ali, falando para nós.”
Esse conteúdo foi publicado originalmente na piauí_207 com o título “Ondas migratórias”.