Municipalismo distorcido (com comentário nosso)

By | 03/01/2024 7:12 am
Imagem ex-librisA Constituição de 1988 foi certeira ao conferir ao município um poder político e administrativo compatível com a importância deste ente federativo para toda a população. Afinal, como dizia Franco Montoro, “ninguém vive na União ou no Estado, as pessoas vivem no município”. Entretanto, ao longo desses 35 anos de vigência da “Constituição Cidadã”, o espírito constitucional, eminentemente municipalista, foi distorcido pela criação serial de municípios Brasil afora que não apresentavam a menor condição de existir como entes autônomos, incapazes que são de gerar receitas que, no mínimo, empatem com suas despesas.

Uma pesquisa feita pela Confederação Nacional dos Municípios (CNM) sobre o estado das finanças das prefeituras, com foco na capacidade de pagamento do 13.º salário para os servidores, é o retrato mais recente desse descompasso entre o desejo original da sociedade de alçar o município à categoria de ente federativo e a realidade de muitas das 5.568 cidades brasileiras – 1.385 delas criadas pós-1988. De acordo com a pesquisa, 1.969 municípios (44,2% dos respondentes) admitiram que têm débitos em atraso com fornecedores; 26,2% informaram à CNM que fecharão 2023 com as contas no vermelho.

Muitas dessas prefeituras são incapazes não apenas de pagar o 13.º salário de seus servidores nos prazos legais, como constatou a CNM, mas até mesmo de custear a prestação de serviços básicos, como coleta de lixo.

O problema não está circunscrito às Regiões Norte e Nordeste. Em São Paulo, por exemplo, 213 das 582 prefeituras consultadas pela CNM (36,6%) disseram estar com dificuldade para quitar suas obrigações com fornecedores. Ainda que a maioria dos municípios paulistas (61,2%) tenha informado estar com as contas em dia, é preocupante constatar que mais de um terço das cidades do Estado mais rico da Federação não tenha suas finanças equilibradas, o que se reflete, invariavelmente, na qualidade dos serviços públicos prestados aos cidadãos.

Há poucos dias, o Estadão publicou uma reportagem revelando que, entre abril de 2022 e abril de 2023, as cidades do interior paulista gastaram R$ 3,4 bilhões apenas para manter as 664 Câmaras Municipais sob fiscalização do Tribunal de Contas do Estado. Esse montante foi usado, exclusivamente, para pagar salários e bonificações de 6.908 vereadores e cerca de 25 mil servidores, além de contas de consumo, viagens, serviços de limpeza e acesso à internet. Em muitos casos, esses gastos foram sustentados, no todo ou em parte, por repasses estaduais, via arrecadação do ICMS, e federais, por meio do Fundo de Participação dos Municípios (FPM).

Não se pode afirmar, é claro, que todos os municípios do País que passam por crises financeiras não deveriam existir como tais. Ainda que possa haver razões comuns para a baixa arrecadação das prefeituras em diferentes regiões do País, como o populismo de Jair Bolsonaro e a irresponsabilidade do Congresso ao chancelar a tentativa do ex-presidente de controlar o preço dos combustíveis em ano eleitoral por meio do corte forçado das alíquotas de ICMS, há muitas particularidades locais que não podem ser ignoradas, como má gestão, e que não têm ligação direta com a eventual incapacidade de geração de receitas. Ao mesmo tempo, é inegável que houve municípios criados sob a nova égide constitucional por razões estreitas, como resolução de disputas locais ou acomodação de interesses políticos. A Constituição teria sido respeitada se a criação desses entes federativos se prestasse a melhorar a vida das pessoas.

Agora, é muito difícil reverter essa perversão do municipalismo que inspirou os constituintes originários. A razão é simples: no Congresso Nacional, instituição autorizada a promulgar emendas à Constituição, são muitos os parlamentares que não têm qualquer interesse em abrir mão de municípios que podem até ser inviáveis financeiramente, mas são riquíssimos do ponto de vista político, servindo-lhes muito bem como currais eleitorais e destino de emendas ao Orçamento para lá de suspeitas.

Comentário nosso

Concordamos com a opinião do Estadão, com relação à quase impossibidade de reduzir o número de municípios, com a reversão dos inviáveis financeiramente. Seria o ideal. Mas depende do Congresso e os parlamentares brasileiros pensam mais nos seus interesses do que nos interesses da população. Jamais reduziriam o número de municípios. Mas pelo menos algumas medidas paliativas poderiam ser adotadas. Por exemplo, por que não reduzir ao máximo o número de vereadores? Por que não estabelecer um número máximo de secretários e cargos comissionados? Por que não estabelecer um limite ao número de funcionários? Por que não fiscalizar drásticamente a contratação de servidores por excepcional interesse de serviço? Com relação à quantidade de municipios, poderia estabelecer exigências mais drásticas com relação à criação de novos municípios e estabelever um prazo para os antigos municípios se adequarem a estas exigências, sob pena de voltarem a ser distritos? Algum coisa tem que ser feita, para reverter a esta situação que só prejudica a população e só beneficia a politicagem, criando prefeitos, vereadores e toda estrutura que custa muito mais do que a capacidade financeira destes municípios. (LGLM)

 

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Category: Blog

About Luiz Gonzaga Lima de Morais

Formado em Jornalismo pelo Universidade Católica de Pernambuco, em 1978, e em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, em 1989. Faz radiojornalismo desde março de 1980, com um programa semanal na Rádio Espinharas FM 97.9 MHz (antiga AM 1400 KHz), na cidade de Patos (PB), a REVISTA DA SEMANA. Manteve, de 2015 a 2017, na TV Sol, canal fechado de televisão na cidade de Patos, que faz parte do conteúdo da televisão por assinatura da Sol TV, o SALA DE CONVERSA, um programa de entrevistas e debates. As entrevistas podem ser vistas no site www.revistadasemana.com, menu SALA DE CONVERSA. Bancário aposentado do Banco do Brasil e Auditor Fiscal do Trabalho aposentado.

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