Segundo o governo, oito tipos de vacinas recomendadas no calendário infantil apresentaram aumento de procura entre janeiro e outubro de 2023, comparado com o mesmo período de 2022. Registraram crescimento os imunizantes contra hepatite A, poliomielite, pneumocócica, meningocócica, DTP (difteria, tétano e coqueluche) e tríplice viral 1.ª dose e 2.ª dose (sarampo, caxumba e rubéola). Também houve aumento na cobertura da vacina contra a febre amarela. Em todas elas, a alta ocorreu em todo o Brasil.
Ainda que os dados sejam preliminares, trata-se de uma notícia auspiciosa. Ao apresentá-los, a ministra Nísia Trindade evidentemente comemorou os resultados. Convém reconhecer-lhe os méritos, tanto dela quanto do presidente Lula da Silva: depois de anos de quedas sucessivas na cobertura vacinal, o Ministério da Saúde lançou o Movimento Nacional pela Vacinação, no qual se incluiu a adoção do microplanejamento, o repasse de recursos para ações regionais nos Estados e municípios, e o programa Saúde com Ciência, iniciativa interministerial voltada para a promoção e valorização da ciência nas políticas públicas de saúde. O governo buscou ainda revigorar neste primeiro ano o Programa Nacional de Imunizações, abalado pela gestão anterior.
Nada mal quando boa parte do País ainda se recorda do rosário de queixas, ironias e negações do então presidente Jair Bolsonaro diante das vacinas. Ao longo de quase dois anos de pandemia, Bolsonaro se posicionou diversas vezes sobre o tema e se mostrou claramente contrário à imunização. Numa delas, em janeiro de 2022, chegou a dizer que as mortes de crianças pela covid-19 no Brasil não justificavam a vacinação, por causa de seus “efeitos colaterais adversos”. Em outra, afirmou que o efeito da vacina no público infantil seria uma “incógnita”. Não raro optou pelo deboche diante do medo, das incertezas e até mesmo da busca acelerada pela vacina. “Se você virar um jacaré, problema de você. Se você virar super-homem, se nascer barba em alguma mulher ou algum homem começar a falar fino, eles (os fabricantes de vacinas) não vão ter nada a ver com isso”, disse ele, em dezembro de 2020, num dos momentos críticos.
O avanço é notável, mas a própria ministra da Saúde reconheceu que ainda há um longo caminho a percorrer. Mesmo com o aumento, as coberturas vacinais não alcançam, em nível nacional, a meta preconizada pelo governo, de 95%. Alguns imunizantes chegam próximo a 80%; outros ainda se aproximam da casa dos 70%. Mas sair da espiral descendente já é motivo para alívio, sobretudo para um país que, até Bolsonaro, foi referência internacional no controle de doenças imunopreveníveis. Afinal, é do Brasil um dos maiores programas de vacinação do mundo, instituído na década de 1970, reconhecido pela Organização Mundial da Saúde e razão da vitória contra algumas doenças, incluindo a poliomielite.
Os novos dados são igualmente importantes porque 2023 mostrou que, embora tenha mudado de patamar, a covid-19 veio para ficar. Já não se trata de uma emergência de saúde pública, mas o vírus continua circulando, causando mortes, alterando a circulação de outros vírus respiratórios e provocando surtos fora de época. Uma suposta normalidade na convivência com a doença e o espírito negacionista ainda deixam sequelas: em junho do ano passado, somente 13% dos adultos haviam recebido o reforço com a vacina bivalente; em dezembro, somente 17%, índice que é ainda mais baixo entre crianças de até cinco anos de idade. Um tema, portanto, que ainda desafia governos e famílias.