Se esses trechos tivessem sido mantidos, o Executivo seria obrigado a empenhar os valores referentes às emendas até 30 dias após a publicação das indicações pelos Ministérios. Também seria obrigado a pagar os valores referentes a todas as emendas impositivas até 30 de junho deste ano.
O estabelecimento desses prazos representava uma clara invasão, por parte do Legislativo, de atribuições que competem exclusivamente ao governo, entre as quais a gestão da execução orçamentária e financeira do Poder Executivo. O governo, por óbvio, não poderia compactuar com mais esse avanço sobre suas prerrogativas.
Como mencionou o Ministério do Planejamento na justificativa do veto, não há previsão constitucional expressa sobre o calendário. O cronograma também viola a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) e ignora a necessidade de cumprimento de etapas regulares e processos administrativos inerentes à execução de despesas orçamentárias, eventos que “não necessariamente se concretizam nesse lapso temporal”.
Ao saberem da notícia, algumas lideranças do Congresso começaram a angariar apoio para derrubar o veto presidencial assim que o recesso parlamentar for encerrado. Foi o caso do relator da LDO, deputado Danilo Forte (União-CE). Forte disse que o cronograma seria um marco a fortalecer a “autonomia do Legislativo”, preservar e garantir recursos aos municípios e assegurar uma distribuição mais justa dos programas sociais federais.
O calendário, ainda segundo o deputado, foi construído e aprovado após amplo debate com parlamentares e visa a conferir lisura às votações, bem como “promover maior equidade e previsibilidade a parlamentares e aos prefeitos, que são os que mais sofrem com os critérios subjetivos de liberação dos recursos”.
A nota distribuída mostra o quanto o debate sobre as emendas parlamentares continua fora do prumo. O deputado, atualmente em seu terceiro mandato, não é nenhum amador para confundir as funções que cabem ao Executivo e ao Legislativo, devidamente definidas na Constituição.
Enquanto relator da LDO de 2014, Forte teve participação direta na criação do orçamento impositivo, primeiro passo para tornar obrigatórias as emendas individuais – o que viria a se confirmar, de maneira definitiva, com a aprovação de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) no ano seguinte.
Desde então, o poder do Legislativo sobre o Orçamento cresce na mesma proporção da perda do controle do Executivo sobre a peça. Em 2019, as emendas de bancada se tornaram obrigatórias em 2019 e surgiram as “emendas pix”. No ano seguinte, nasceu o orçamento secreto, esquema revelado pelo Estadão e derrubado pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Parte dos recursos das emendas de relator acabou por ser direcionada às emendas de comissão.
Juntas, as emendas parlamentares somarão R$ 53 bilhões neste ano, um valor recorde. Mas nem mesmo o valor recorde foi capaz de conter os deputados e senadores. Não basta, apenas, direcionar recursos para suas bases. Agora, é preciso garantir que eles cheguem antes da eleição municipal.
Como solução imediata, o veto presidencial é um instrumento adequado para conter esse movimento, mas não será surpresa se ele for derrubado com bastante facilidade. Caso isso aconteça, é possível recorrer ao STF, mas o drible que foi feito com o orçamento secreto mostra que essa solução tampouco seria definitiva.
Se o problema não começou no governo Lula, resolvê-lo é sua responsabilidade. O presidente precisa se envolver mais diretamente na relação com o Congresso e convencer os parlamentares a apoiar as políticas públicas de Estado. Vincular os recursos das emendas a essas políticas é uma maneira mais eficaz e eficiente de reduzir desigualdades sociais e regionais, algo que certamente une – ou deveria unir – os interesses do governo e os do Legislativo.