As batalhas de Haddad

By | 06/01/2024 6:03 am

O ministro acertadamente chamou o PT para a briga e convocou o único nome capaz de arbitrar o conflito entre a agenda econômica responsável e a gastança defendida pelo partido

 

Imagem ex-librisSe soube escolher bem as batalhas de 2023 para colher vitórias em sua agenda econômica, o ministro Fernando Haddad iniciou o ano reafirmando sua capacidade de enfrentar as brigas certas e com alvo definido: a artilharia do PT. Em entrevista concedida ao jornal O Globo há alguns dias, Haddad subiu o tom em público em relação ao comissariado petista que o atacou desde o primeiro dia de sua gestão. Escancarou a contradição da legenda depois de muitos embates com a Casa Civil ao longo do ano passado e do fogo amigo, promovido durante meses por parlamentares e pela presidente do partido, Gleisi Hoffmann, até culminar com a resolução do Diretório Nacional do PT que chamou a política fiscal de “austericídio”. E convocou para mediar o conflito o único nome capaz de arbitrá-lo.

Assim disse o ministro, em referência à capacidade de alguns de seus companheiros de enxergar os mesmos fatos com duas lentes (numa, celebram-se os resultados positivos da economia em 2023, creditando-os a Lula; noutra, ignora-se que os mesmos resultados se devem em grande medida aos diques de contenção impostos pela equipe econômica com o apoio do Congresso): “É curioso ver os cards que estão sendo divulgados pelos meus críticos sobre a economia. (…) O meu nome não aparece. O que aparece é assim: ‘A inflação caiu, o emprego subiu. Viva Lula!’ E o Haddad é um austericida. Então, ou está tudo errado ou está tudo certo. Tem uma questão que precisa ser resolvida, que não sou eu que preciso resolver. Não dá para celebrar Bolsa, juros, câmbio, emprego, risco-país, PIB que passou o Canadá (…) e simultaneamente ter a resolução que fala ‘está tudo errado, tem que mudar tudo’”.

Haddad não citou nomes nem precisava: além de Gleisi Hoffmann, principal artífice do documento crítico do PT aprovado em dezembro, Lindbergh Farias e o chefe da Casa Civil, Rui Costa, manifestaram-se nas redes sociais exatamente no tom apontado por Haddad. Só no limitado, porém barulhento universo das cabeças petistas mais delirantes é possível celebrar os resultados macroeconômicos e ao mesmo tempo pregar a mudança da agenda econômica, no habitual esforço do partido para desmoralizar sistemas de metas de superávit primário e pregar desequilíbrios fiscais segundo a ótica de que “gasto é vida”.

Houve quem apontasse um risco considerável para o ministro uma declaração como essa. Como se sabe, Lula não é do tipo que gosta de ser cobrado publicamente. Mas quem conhece as dinâmicas lulopetistas sabe também que uma declaração assim não surgiria sem o aval do chefe. A cosmologia do presidente costuma incentivar divisões e contradições até o limite do irrazoável. É sua fórmula para, internamente, incendiar a militância e, externamente, emitir sinais diferentes para públicos distintos e aguardar os melhores resultados (sobretudo para ele próprio) – até o seu arbítrio final. Difícil acreditar que Lula não tenha sabido previamente da disposição de Haddad para a briga, assim como os ataques corriqueiros promovidos por Gleisi, Rui & Cia. não tenham também a sua anuência.

O risco de Haddad é, portanto, calculado. Mas quem corre o maior risco em 2024 é mesmo o Brasil. Se o ministro da Fazenda contribuiu até aqui num debate mais racional, no alinhamento de agendas com as lideranças do Congresso a fim de aprovar projetos cruciais, e até mesmo na mediação das conflituosas declarações presidenciais dirigidas ao Banco Central, o ministro sabe que há um longo percurso a trilhar. A desidratação ao longo da tramitação legislativa tornou mais difícil alcançar as ambiciosas metas calculadas pela equipe econômica. E o mais grave: anos eleitorais costumam estimular a atração dos políticos pela gastança, ajudando a irrigar os feitos de obras e resultados com potencial eleitoral de curto prazo. A começar pelo próprio Lula, hoje parcialmente tisnado pelo viés de baixa em sua popularidade.

Haddad sabe das tormentas que virão em 2024 e precisará mais do que nunca do apoio do presidente para enfrentá-las. A dúvida é qual Lula responderá ao seu chamado: aquele que chancelou algumas de suas principais contendas ou o devorador de orçamentos em nome dos dividendos eleitorais de curto prazo?

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Category: Nacionais

About Luiz Gonzaga Lima de Morais

Formado em Jornalismo pelo Universidade Católica de Pernambuco, em 1978, e em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, em 1989. Faz radiojornalismo desde março de 1980, com um programa semanal na Rádio Espinharas FM 97.9 MHz (antiga AM 1400 KHz), na cidade de Patos (PB), a REVISTA DA SEMANA. Manteve, de 2015 a 2017, na TV Sol, canal fechado de televisão na cidade de Patos, que faz parte do conteúdo da televisão por assinatura da Sol TV, o SALA DE CONVERSA, um programa de entrevistas e debates. As entrevistas podem ser vistas no site www.revistadasemana.com, menu SALA DE CONVERSA. Bancário aposentado do Banco do Brasil e Auditor Fiscal do Trabalho aposentado.

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