O ministro acertadamente chamou o PT para a briga e convocou o único nome capaz de arbitrar o conflito entre a agenda econômica responsável e a gastança defendida pelo partido
Assim disse o ministro, em referência à capacidade de alguns de seus companheiros de enxergar os mesmos fatos com duas lentes (numa, celebram-se os resultados positivos da economia em 2023, creditando-os a Lula; noutra, ignora-se que os mesmos resultados se devem em grande medida aos diques de contenção impostos pela equipe econômica com o apoio do Congresso): “É curioso ver os cards que estão sendo divulgados pelos meus críticos sobre a economia. (…) O meu nome não aparece. O que aparece é assim: ‘A inflação caiu, o emprego subiu. Viva Lula!’ E o Haddad é um austericida. Então, ou está tudo errado ou está tudo certo. Tem uma questão que precisa ser resolvida, que não sou eu que preciso resolver. Não dá para celebrar Bolsa, juros, câmbio, emprego, risco-país, PIB que passou o Canadá (…) e simultaneamente ter a resolução que fala ‘está tudo errado, tem que mudar tudo’”.
Haddad não citou nomes nem precisava: além de Gleisi Hoffmann, principal artífice do documento crítico do PT aprovado em dezembro, Lindbergh Farias e o chefe da Casa Civil, Rui Costa, manifestaram-se nas redes sociais exatamente no tom apontado por Haddad. Só no limitado, porém barulhento universo das cabeças petistas mais delirantes é possível celebrar os resultados macroeconômicos e ao mesmo tempo pregar a mudança da agenda econômica, no habitual esforço do partido para desmoralizar sistemas de metas de superávit primário e pregar desequilíbrios fiscais segundo a ótica de que “gasto é vida”.
Houve quem apontasse um risco considerável para o ministro uma declaração como essa. Como se sabe, Lula não é do tipo que gosta de ser cobrado publicamente. Mas quem conhece as dinâmicas lulopetistas sabe também que uma declaração assim não surgiria sem o aval do chefe. A cosmologia do presidente costuma incentivar divisões e contradições até o limite do irrazoável. É sua fórmula para, internamente, incendiar a militância e, externamente, emitir sinais diferentes para públicos distintos e aguardar os melhores resultados (sobretudo para ele próprio) – até o seu arbítrio final. Difícil acreditar que Lula não tenha sabido previamente da disposição de Haddad para a briga, assim como os ataques corriqueiros promovidos por Gleisi, Rui & Cia. não tenham também a sua anuência.
O risco de Haddad é, portanto, calculado. Mas quem corre o maior risco em 2024 é mesmo o Brasil. Se o ministro da Fazenda contribuiu até aqui num debate mais racional, no alinhamento de agendas com as lideranças do Congresso a fim de aprovar projetos cruciais, e até mesmo na mediação das conflituosas declarações presidenciais dirigidas ao Banco Central, o ministro sabe que há um longo percurso a trilhar. A desidratação ao longo da tramitação legislativa tornou mais difícil alcançar as ambiciosas metas calculadas pela equipe econômica. E o mais grave: anos eleitorais costumam estimular a atração dos políticos pela gastança, ajudando a irrigar os feitos de obras e resultados com potencial eleitoral de curto prazo. A começar pelo próprio Lula, hoje parcialmente tisnado pelo viés de baixa em sua popularidade.
Haddad sabe das tormentas que virão em 2024 e precisará mais do que nunca do apoio do presidente para enfrentá-las. A dúvida é qual Lula responderá ao seu chamado: aquele que chancelou algumas de suas principais contendas ou o devorador de orçamentos em nome dos dividendos eleitorais de curto prazo?