O golpismo explícito e o implícito

By | 09/01/2024 7:24 am
Imagem ex-librisRepetida em vários círculos sociais e muito útil politicamente para alguns setores, é falsa a ideia segundo a qual todos os apoiadores de Jair Bolsonaro são golpistas empedernidos. Pesquisa recente da Genial/Quaest mostrou, por exemplo, que 85% dos eleitores de Bolsonaro no segundo turno das eleições de 2022 desaprovam os atos praticados no infame dia 8 de janeiro do ano passado. O golpismo explícito, portanto, não tem muitos apoiadores, o que é uma notícia alvissareira.

Não falta, contudo, quem considere que os golpistas que participaram do levante do 8 de Janeiro não eram delinquentes, mas patriotas que agora são vítimas de abuso do Judiciário. A distorção cínica do que os brasileiros todos puderam ver com seus próprios olhos ao vivo pela TV – isto é, a destruição das sedes dos Três Poderes, em flagrante ataque às instituições democráticas, na expectativa de que isso gerasse reação das Forças Armadas e a consequente instalação de um regime de exceção – se presta a um único propósito: causar confusão, que é onde viceja o autoritarismo.

Isso ficou claro no malicioso manifesto assinado por 30 senadores de oposição a propósito do evento oficial que lembrou ontem em Brasília o 8 de Janeiro. Das 80 e tantas linhas do texto, apenas 3 fazem referência aos “atos de violência e depredação dos prédios públicos”, frase em que o sujeito da ação está oculto por elipse. Daí para diante, a título de enumerar as ameaças à democracia, os sujeitos são todos nomeados: primeiro, o governo de Lula da Silva, que teria cometido “flagrante omissão” no dia 8 de janeiro – senha para insinuar que os petistas tiveram alguma participação nos atos golpistas; depois, o Supremo Tribunal Federal, que estaria violando direitos constitucionais no afã de condenar os golpistas.

O tal manifesto, em dois trechos, demanda que o País volte à “normalidade democrática” e encerra conclamando os brasileiros a viver “num ambiente de tolerância”, evitando “a perseguição a qualquer custo aos que pensam diferente”.

Chega a ser ofensivo. Esses senadores nunca pediram “normalidade democrática” quando Bolsonaro afrontou sistematicamente a democracia e suas instituições inclusive perante a comunidade internacional, quando atacou a imprensa de maneira grosseira e sistemática e quando fez campanha de descrédito do sistema eleitoral, ameaçando ignorar o resultado das urnas caso lhe fosse desfavorável. Tampouco não se recorda de alguma manifestação desses senadores desaprovando as raivosas declarações e atitudes de Bolsonaro contra opositores, absolutamente contrárias ao tal “ambiente de tolerância” que agora descaradamente dizem defender.

Ora, o País vive hoje em plena normalidade democrática. Há eleições livres. Há imprensa livre. Há funcionamento livre e autônomo de cada um dos Poderes. Certamente, há tensões, mas elas são próprias de todo regime democrático. Certamente, há decisões equivocadas da Corte constitucional – que merecem duras críticas –, mas isso é próprio de um regime democrático.

O “manifesto da oposição” ignora um fato básico da vida democrática. Estado Democrático de Direito não significa perfeição, tampouco sintonia com tudo o que cada um acredita e apoia. As divergências existem – e isso não é um defeito do regime democrático. Trata-se, antes, de cristalina manifestação de que a sociedade é, de fato, livre, não subordinada à atuação do Estado.

O 8 de Janeiro não aconteceu à toa. Foi alimentado pelo discurso bolsonarista segundo o qual a eleição de Lula foi resultado de uma grande conspiração antidemocrática que envolveu todos os Poderes, sobretudo o Judiciário, para instalar uma ditadura de esquerda contra os “patriotas”. Logo, para essa malta, “voltar à normalidade democrática” significa instalar um regime em que prevalece não a lei, mas a vontade dos bolsonaristas – recorde-se que Bolsonaro, na condição de presidente, certa vez declarou que “as leis existem, no meu entender, para proteger as maiorias” e que “as minorias têm que se adequar”. Como se viu no manifesto dos senadores de oposição, esse espírito golpista continua latente.

Comentário

Category: Blog

About Luiz Gonzaga Lima de Morais

Formado em Jornalismo pelo Universidade Católica de Pernambuco, em 1978, e em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, em 1989. Faz radiojornalismo desde março de 1980, com um programa semanal na Rádio Espinharas FM 97.9 MHz (antiga AM 1400 KHz), na cidade de Patos (PB), a REVISTA DA SEMANA. Manteve, de 2015 a 2017, na TV Sol, canal fechado de televisão na cidade de Patos, que faz parte do conteúdo da televisão por assinatura da Sol TV, o SALA DE CONVERSA, um programa de entrevistas e debates. As entrevistas podem ser vistas no site www.revistadasemana.com, menu SALA DE CONVERSA. Bancário aposentado do Banco do Brasil e Auditor Fiscal do Trabalho aposentado.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *