O demiurgo petista detalhou sua teoria lulocêntrica perto do final de seu discurso por ocasião do evento de anteontem, em Brasília, que lembrou o primeiro aniversário da tentativa de golpe de Estado promovida por hordas bolsonaristas.
Era para ser um pronunciamento adequado ao momento solene – no qual era preciso enfatizar o papel das instituições na resistência à barbárie dos liberticidas que, insuflados pelo ex-presidente Jair Bolsonaro, pretendiam criar o caos a partir do qual, conforme seus delírios, produzir-se-iam uma ruptura e o estabelecimento de um regime de exceção liderado por tiranetes bolsonaristas.
Lula até que salientou, corretamente, “a coragem de parlamentares, governadores e governadoras, ministros e ministras da Suprema Corte, ministros e ministras de Estado, militares legalistas e, sobretudo, da maioria do povo brasileiro” naquele dia infame.
No entanto, em vez de ater-se ao script à sua frente, cujo tom, malgrado alguns exageros retóricos, parecia no geral correto, Lula foi fiel à sua vocação palanqueira e transformou aquela cerimônia de defesa da democracia em comício para atacar seus adversários e louvar a si mesmo e a seu partido – exatamente como previam os vários governadores de oposição que, por essa razão, se recusaram a comparecer.
Lula chamou Bolsonaro de “golpista” e fez diversas insinuações de malfeitos do ex-presidente. No trecho do discurso em que claramente estava improvisando – e, portanto, foi mais autêntico –, Lula chegou a sugerir que os três filhos de Bolsonaro que se elegeram para cargos políticos renunciassem a seus mandatos em protesto contra as urnas eletrônicas, que, dizem os extremistas bolsonaristas, foram fraudadas para impedir a reeleição do ex-capitão.
Ora, não era isso o que se esperava do estadista que Lula julga ser. Nem se discute que a cantilena bolsonarista contra a lisura das urnas eletrônicas era e é profundamente antidemocrática, como já dissemos repetidas vezes neste espaço, mas Lula, na condição de presidente da República e sendo o principal orador de um evento voltado à celebração da democracia e à pacificação nacional, deveria ter se limitado a louvar a manutenção do regime de liberdade e de respeito à lei.
Mas a natureza é implacável. Lula não conhece outra língua senão a do enfrentamento. Aproveita todo e cada momento para estimular o rancor contra aqueles que considera seus inimigos, o que é particularmente inapropriado no momento em que as autoridades públicas, sobretudo o presidente da República, têm o dever de esfriar os ânimos e buscar convergências.
No mesmo fôlego em que atacou duramente seus adversários políticos numa cerimônia supostamente apolítica, Lula foi capaz de declarar que a democracia brasileira viceja, vejam só, porque ele e o PT existem. “Eu queria dizer para vocês, e sobretudo aos companheiros da Suprema Corte e ao presidente do Tribunal Superior Eleitoral: quando alguém colocar dúvidas sobre a democracia no Brasil, seria importante que vocês não tivessem receio de utilizar a minha história e a história do meu partido como garantia da existência inabalável da democracia neste país”.
Mais autorreferente do que nunca, o presidente mostra que nada aprendeu com os fatos recentes. Se a democracia resistiu ao 8 de Janeiro, foi em razão da força de suas instituições, testadas até o limite nos últimos anos, e da união da sociedade, que ignorou suas diferenças para derrotar um de seus maiores inimigos. O mérito é de muitos, inclusive de alguns que se ausentaram ou que não se sentiram representados no evento comemorativo.
É realmente lamentável que uma data que tinha tudo para se firmar como uma efeméride relevante para a democracia brasileira tenha sido convertida por Lula em uma festa em louvor a si mesmo e à companheirada. Do mesmo modo que Bolsonaro tentou sequestrar o 7 de Setembro, Lula quer se apropriar do 8 de Janeiro. Se depender dos verdadeiros democratas, não conseguirá.
Comentário nosso
Lula tem que ser convencido de que falar de improviso não é para todo mundo. Os maiores estadistas, com formação intelectual muito superior a Lula, evitam falar de improviso, justamente para não terminarem dizendo besteiras. Nem tudo que se pensa deve ser dito e este é o grande perigo do improviso. A sabedoria popular já tinha um provébio para isso: “Fulano calado é um doutor, falando é um desastre”. Muitos oradores, lendo são doutores, improvisando fazem vergonha! Lula mais uma vez provou isto. (LGLM)