Inequivocamente, a política não funcionou
(Samuel Pessôa, Pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (FGV) e da Julius Baer Family Office (JBFO). É doutor em economia pela USP, publicado na Folhaem em 12/01/2024)
A novela da desoneração da folha continua. No fim do ano passado, o governo enviou uma medida provisória que cria um cronograma de desmame da desoneração.
A MP é explícita em estabelecer seus efeitos somente a partir de 1º de abril: há tempo de o Congresso Nacional se pronunciar. Não houve por parte do Executivo a intenção de passar um trator sobre o Legislativo.
Quanto ao mérito, trabalho recente e ainda não publicado de Erick Baumgartner, Raphael Corbi e Renata Narita —”Payroll tax, employment and labor market concentration”— documenta os seguintes fatos a respeito da desoneração da folha de salários: 1) ela cria empregos; 2) não há elevação dos salários; 3) aumenta o lucro das empresas; 4) é uma forma muito ineficiente de criar empregos, dado que cada emprego criado custa R$ 85 mil de renúncia fiscal e 5) evidentemente, piora as contas públicas.
Um dos maiores problemas da formulação de políticas públicas no Brasil é que, simultaneamente à implementação da medida, cria-se um grupo de pressão no Congresso Nacional que irá defender a política, independentemente do mérito.
Há uma característica na democracia brasileira —nenhum cientista político conseguiu até hoje me explicar os motivos de sermos assim— que nos torna muito mais vulneráveis à ação dos grupos de pressão do que outras democracias.
Assim, o esforço e a insistência do ministro Haddad estão corretos: a MP defende o interesse difuso.
Há uma alegação de que as empresas não tiveram tempo para se ajustar. Que o fim da desoneração da folha é muito abrupto.
A alegação não procede, no meu entender: as empresas sempre souberam que no dia 31 de dezembro de 2023 a desoneração da folha iria terminar. Elas não se prepararam. Acharam melhor fazer lobby no Congresso Nacional pela renovação da desoneração.
Quando a data de término da política se avizinha, elas chantageiam o Congresso com a alegação de que não conseguem sobreviver no regime que vale para todos os demais setores.
O ideal é que o Congresso reabra o tema, faça algumas audiências públicas para avaliar o mérito da questão e negocie com o setor privado um cronograma de saída dessa política pública.
Isto é, em vez de haver uma data para acabar, haver um cronograma de redução em alguns anos do subsídio aos 17 setores hoje beneficiados. Assim haverá uma transição suave, sem choques maiores na rentabilidade dos setores.