Por maior que seja a indignação com a violência dos grupos criminosos que infestam a América Latina e cujos quartéis são as próprias prisões em que teoricamente cumprem pena, não se pode admitir que a solução seja a suspensão dos direitos básicos dos cidadãos, sobretudo o direito que os protege de detenções arbitrárias. O método de Bukele não é uma solução porque, ao suspender o Estado Democrático de Direito em nome do combate ao crime, destrói a democracia sem melhorar a segurança de ninguém. Aliás, muito pelo contrário: sem democracia, não há nenhum tipo de freio para o arbítrio do Estado, que assim ganha poder ilimitado para coagir todo e qualquer cidadão, conforme a vontade do ditador e de sua corte.
A violência do Estado, quando fora do controle das instituições democráticas e quando exercida à margem da lei, é tão perniciosa quanto a cometida pelos criminosos comuns. É possível sentir-se circunstancialmente seguro numa sociedade assim, mas é uma segurança ilusória, porque depende da sorte de ter boas relações com o poder.
A tentação, contudo, é grande. A imensa popularidade de Bukele em El Salvador criou a sensação de que o jovem presidente, ao dar uma banana para os direitos básicos, afinal encontrou a solução ideal para o problema da criminalidade. O igualmente jovem presidente do Equador, Daniel Noboa, claramente pretende adotar o método de Bukele, em meio à crise desencadeada há uma semana, após o líder de uma das maiores facções criminosas do país ter escapado de um presídio em que gozava de vários privilégios – como cúmulo do escárnio, ele até gravou um videoclipe dentro da prisão.
A fuga levou Noboa a decretar estado de exceção. Nas horas que se seguiram ao ato, o país assistiu a rebeliões em prisões, viaturas policiais queimadas, sequestros de policiais e até a invasão de uma emissora de TV de Guayaquil durante a transmissão de um programa ao vivo. Noboa, então, dobrou a aposta e decretou estado de conflito armado interno, decisão que autorizou o uso das Forças Armadas no patrulhamento de ruas, suspendeu aulas e impôs um toque de recolher à população. Mais de 300 pessoas foram presas e ao menos 13 foram mortas, enquanto os ataques liderados pelas facções parecem ter refluído.
Não é a primeira vez que o crime organizado mostra sua força no Equador. Ainda não esclarecido, o assassinato do candidato presidencial Fernando Villavicencio em agosto do ano passado foi reivindicado por uma das tantas facções criminosas que atuam no país. Os episódios assustam os equatorianos, que até então pensavam viver num país relativamente seguro.
Mas o medo é mau conselheiro – e escancara o espaço político latino-americano para emergência de líderes que fazem da promessa de violência estatal seu principal ativo eleitoral. Não à toa, Bukele é hoje mais popular que a maioria dos políticos do Equador e embala os sonhos da extrema direita de Honduras, Guatemala, Peru, Argentina e, claro, Brasil – por aqui, o notório Eduardo Bolsonaro levou uma comitiva de deputados para conhecer a experiência de Bukele e ressaltou, nas redes sociais, que El Salvador, “o país mais violento do mundo em 2015, hoje tem taxa de homicídios igual à Suíça”.
Em resumo, há duas formas de enfrentar o crime organizado: a que funciona, por meio de um esforço de inteligência e cooperação entre todos os países afetados, já que o narcotráfico e as milícias se tornaram transnacionais; e a que não funciona, por meio da suspensão de direitos e da truculência do Estado – que se torna, ele mesmo, criminoso.