O CFM até poderia ter o benefício da dúvida sobre seus reais objetivos com essa pesquisa esdrúxula caso não tivesse se comportado tão mal durante alguns dos momentos mais dramáticos da pandemia no País. Basta lembrar que a Defensoria Pública da União chegou a ajuizar uma ação contra o CFM em 2021, no auge da crise sanitária, depois que o órgão chancelou o uso de cloroquina e hidroxicloroquina no tratamento de pacientes com covid-19, sem que houvesse comprovação da eficácia desses medicamentos contra a ação do Sars-Cov-2. Ali já estava evidente que a orientação política da direção do CFM sobrepujava o compromisso com os postulados científicos que se espera de uma entidade médica que se pretende séria.
Embora tenha menos de 3% da população mundial, o Brasil concentrou quase 13% do total de mortes por covid-19 no mundo, com mais de 700 mil óbitos registrados. Não poucos estudos revelaram que uma parte dessas mortes poderia ter sido evitada caso o anticientificismo não tivesse encontrado tanto espaço para vicejar no País. Evidentemente, o então presidente Jair Bolsonaro, cuja gestão periclitante da crise sanitária foi uma tragédia dentro da tragédia, foi o grande artífice desse anticientificismo em nível inédito na história recente do País. Mas, para espanto de grande parte da sociedade, algumas de suas estultices encontraram eco no CFM, entre as quais a defesa do “tratamento precoce” e a campanha para desestimular a vacinação.
Assim como a esfericidade da Terra, a segurança e a eficácia das vacinas contra a covid-19 é um assunto pacificado. Os imunizantes passaram por rigorosíssimos testes antes de serem inoculados na população, sobretudo nas crianças. Mas, se estudos científicos não bastam para reforçar a confiança nas vacinas, aí está a realidade factual a demonstrar, no próprio seio familiar, que os casos de infecção e morte por covid-19 despencaram a partir do início da vacinação no País, que completou três anos no dia 17 passado.
Com toda razão, a Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm) criticou o CFM por realizar uma enquete como essa em pleno 2024. Em nota publicada em seu portal, a SBIm lembra o terrível número de crianças menores de 5 anos que morreram no País em decorrência da covid-19 (135 óbitos apenas em 2023) e afirma, acertadamente, que “equiparar ciência a crenças pessoais” dos médicos é um terrível equívoco. No limite, isso leva à morte.