Desse total, as aposentadorias pagas pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) consumiram R$ 290,3 bilhões, enquanto as de servidores públicos e de militares demandaram R$ 104,3 bilhões. A diferença é que o INSS contempla 28 milhões de trabalhadores e pensionistas da iniciativa privada, enquanto o regime próprio beneficia pouco mais de 1 milhão de pessoas.
O rombo reflete desigualdades que caracterizam o País há décadas. Proporcionalmente, o déficit gerado pelos servidores públicos e militares sempre foi maior do que o do regime geral, o que se manteve mesmo após a reforma. Graças à proximidade com o então presidente Jair Bolsonaro, as Forças Armadas ainda aproveitaram a tramitação da proposta para assegurar condições especiais por meio de uma reestruturação de carreiras.
Mesmo com falhas, a elevação da idade mínima e a criação de regras mais duras para a aposentadoria nos setores público e privado geraram uma economia potencial de R$ 800 bilhões para a União em até dez anos. Não foi a reforma definitiva, por óbvio, mas foi o suficiente para adiar o debate sobre uma nova reforma para a segunda metade da próxima década.
Os números mais recentes da Previdência Social, contudo, mostram que essa perspectiva mudou – e rapidamente. A redução nas filas de espera por benefícios ampliou sobremaneira os gastos, e ainda não se sabe se esse resultado é circunstancial ou estrutural. Mas, além da questão pontual das filas, há outros aspectos que deveriam colocar o tema no topo das preocupações de qualquer governo responsável.
O envelhecimento da população é uma realidade, e o trabalho informal continua a ser um desafio para a sustentabilidade da Previdência Social. O regime dos microempreendedores individuais (MEI) está longe de arrecadar o suficiente para bancar os benefícios futuros, enquanto a concessão de aposentadoria rural nem sequer exige contribuição previdenciária mínima.
Somente o valor desembolsado para cobrir o rombo acumulado nos 12 meses encerrados em novembro correspondeu a 3,95% do Produto Interno Bruto (PIB). O governo Lula da Silva, no entanto, não demonstra a menor disposição em enfrentar esse debate.
O ministro da Previdência, Carlos Lupi, nem sequer acredita que haja um déficit. Para ele, o número deve ser tratado como um investimento ou ainda como o maior programa social do governo. Sua prioridade, no momento, é rever as regras para pensão com morte, que limitaram os benefícios a viúvas e viúvos sem dependentes.
Já o ministro do Trabalho, Luiz Marinho, quer impedir o uso de recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) para cobrir parcialmente o rombo da Previdência, redirecionando-os para políticas públicas que financiam, inclusive, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), medida que ampliaria ainda mais o déficit se entrasse em vigor.
Se as regalias de várias categorias do serviço público causam revolta, a maior ameaça à sustentabilidade da Previdência Social é a indexação dos benefícios ao salário mínimo. Com a política de aumentos reais transformada em lei, o déficit da Previdência será crescente, ignorando os limites impostos pelo arcabouço fiscal e comprimindo o reduzido espaço das despesas discricionárias, inclusive dos investimentos públicos.
As prioridades do governo, no entanto, não são medidas de equacionamento que permitam o financiamento e a sobrevivência do sistema e a proteção de seus beneficiários no médio e longo prazos – o verdadeiro sentido de qualquer regime de Previdência Social. Assim, contratará um problema silencioso que tomará proporções gigantescas no futuro e que exigirá uma reforma bem mais dura do que poderia ser.