Não foi por falta de aviso. Bolsonaro é elemento subversivo desde os tempos em que era dublê de sindicalista e militar. Inconformado com a democracia, fez da truculência e do desapreço pela República seus principais ativos eleitorais. Nos seus mais delirantes sonhos, pretendia, se lhe dessem a chance, estabelecer no País o regime sonhado pela linha dura da ditadura militar. Isso era público e notório. Ninguém pode se dizer enganado.
Bolsonaro pretendia arrastar as Forças Armadas para seu empreendimento autoritário. Tentou adonar-se do Exército, seja em palavras, seja em atitudes. Não hesitou em trocar a cúpula militar para ter ali oficiais que fossem fiéis a ele, e não ao País. Como se vê agora, não conseguiu, mas o vírus da sedição já estava inoculado, e o Exército, em algumas ocasiões, preferiu a contemporização à imposição de disciplina – o caso do general Eduardo Pazuello, que deveria ter sido punido por fazer comício com Bolsonaro, mas não sofreu nem sequer uma advertência, é exemplar dessa hesitação. Além disso, alguns militares se prestaram ao vexaminoso papel de dar sustentação às teorias da conspiração assacadas contra o sistema eleitoral.
De todo modo, ao que tudo indica, o bolsonarismo não conseguiu seu intento manifesto de dobrar os comandantes militares – somente o almirante Almir Garnier Santos, comandante da Marinha, teria se colocado a favor do golpe, segundo as investigações. Já os chefes militares que se recusaram a participar foram alvo de campanha de ódio, inclusive contra seus familiares, deflagrada pelos militares bolsonaristas para desgastá-los nos quartéis.
Do conjunto de evidências coletadas pela PF, depreende-se que o golpe para impedir a posse do presidente Lula da Silva também não foi adiante porque havia ímpeto, mas não havia “uma noção clara de como fazê-lo”, como corretamente salientou William Waack em sua coluna neste jornal. Isso em nada atenua a gravidade do material reunido pela PF dando conta de que no centro nevrálgico da tentativa de golpe estiveram militares graduados, inclusive no comando de tropas. Sabe-se lá em nome de que projeto de poder, mobilizaram-se para tentar manter na Presidência um mau militar, e devem ser exemplarmente punidos por isso.
Como se viu, uma plêiade de generais que até pouco tempo atrás tinham assento no Alto Comando do Exército é suspeita de envolvimento na intentona. Portanto, mais do que a conclusão das investigações da PF e a punição exemplar de todos eles na medida de suas responsabilidades, às Forças Armadas, em particular ao Exército, impõe-se urgentemente um profundo reexame da formação de seus quadros. Não há mais sombra de dúvida de que o pensamento golpista grassa em alguns setores das Forças Armadas, e isso só pode ser enfrentado com uma educação orientada pela atuação dos militares dentro das estritas balizas do Estado Democrático de Direito. Nada além.
Ao fim e ao cabo, os golpistas tornaram-se vozes estridentes, porém isoladas, na caserna. Prevaleceu o respeito à Constituição. Mas isso não pode depender, por óbvio, do ânimo dos militares que estejam em posição de comando num dado momento. Uma operação inédita da PF chegou a militares de alta patente por uma tentativa de sedição. Num país sério como o Brasil pretende ser, um fato gravíssimo como esse deve ser o ponto de partida para uma reflexão sobre a contaminação política da caserna. O episódio tem de servir para que se reafirme que os militares não são os tutores da República e que devem manter distância da política, própria da vida civil, atuando nos estreitos limites que a Constituição lhes impõe.
Comentário nosso
Concordamos em gênero, número e grau com a opinião do Estadão. Determinados militares se “cevaram” no governo Bolsonaro e queriam continuar “mamando” nem que para isso precisassem dar um golpe militar. A nossa sorte é que não encontraram apoio na maioria do comando militar. Ou seja, a maioria dos nossos militares continuam respeitando a nossa Constituição. Os que forem culpados por atos atentatórios à Constituição devem ser punidos na forma da lei. (LGLM)