Se aliados descrevem o governador como um equilibrista, falta explicar por que ele sempre cai para o mesmo lado da corda
(Bruno Boghossian, Jornalista, foi repórter da Sucursal de Brasília. É mestre em ciência política pela Universidade Columbia (EUA), na Folha, em 27/02/2024)
Tarcísio de Freitas disfarçou mal. Pegou o microfone, apertou velhos botões do patriotismo (“estamos aqui para celebrar o verde-amarelo”) e lançou palavras genéricas sobre liberdade. Enquanto colegas exibiam uma dose de orgulho golpista, ele disse que era preciso entender um tal “desafio da representatividade”.
O governador paulista tentou fingir que aquele era um comício normal, num domingo qualquer. Exaltou obras de infraestrutura hídrica, citou um questionável milagre de expansão de ferrovias e disse ser grato a seu líder político —sem mencionar que os dois só estavam ali porque um deles corre o risco de ser preso por preparar um golpe de Estado.
O discurso de Tarcísio foi ensanduichado pelas falas de dois notórios bufões do bolsonarismo, Magno Malta e Silas Malafaia. Se a ideia era criar um contraste que permitisse ao governador realçar um figurino moderado, não funcionou. A adesão ao ato e suas companhias desnudam suas convicções mais francas.
Os mais generosos aliados de Tarcísio descrevem o governador como um equilibrista, que tem posições ponderadas, mas depende da herança de Bolsonaro. Falta explicar por que ele quase sempre cai para o mesmo lado da corda, autorizando revanches policiais em forma de carnificina ou abraçando um pacto por anistia a conspiradores golpistas.
A sucessão de Bolsonaro ainda não foi deflagrada porque o ex-presidente quer ser bajulado por mais algum tempo. A associação desse processo e de seus postulantes com o golpismo, por outro lado, já mostra que setores competitivos da direita brasileira topam abrir mão de compromissos democráticos para ter uma chance de voltar ao poder.