A manifestação promovida por Bolsonaro deve ser definida como um ato de chantagem

By | 01/03/2024 5:53 pm

(Demétrio Magnoli, Sociólogo, autor de “Uma Gota de Sangue: História do Pensamento Racial”. É doutor em geografia humana pela USP. Na Folha, em 01/03/2024)

 

Mutualismo, em biologia, é a relação simbiótica entre diferentes espécies na qual cada uma delas extrai benefícios. Na Paulista, domingo passado, Bolsonaro e seus aliados –Tarcísio de Freitas, Romeu Zema e Ronaldo Caiado, potenciais candidatos presidenciais– exercitaram o mutualismo. Bolsonaro conseguiu exibir-se como líder da direita. Os aliados sem princípios marcaram pontos junto ao eleitorado do ex-presidente.

A manifestação deve ser definida como um ato de chantagem. A eficiente demonstração de força popular não teve nenhum outro objetivo político senão pressionar o Congresso e o Judiciário a aceitarem uma barganha indecente. Bolsonaro ofereceu “pacificação” e “conciliação” em troca da impunidade para ele e seu cortejo, acrescida pelo perdão aos soldadinhos idiotas do 8 de janeiro.

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Tarcísio de Freitas e Jair Bolsonaro em manifestação na avenida Paulista no domingo (25) – Danilo Verpa – 25.fev.24/Folhapress

Malafaia, o mestre de cerimônia, cumpriu um papel ensaiado, falando duro para acentuar o contraste com a fala mansa de Bolsonaro. Talvez imagine saltar de vez da esfera religiosa à política, como sucessor do golpista inelegível. Michelle, a pregadora, rompeu explicitamente a barreira que separa a religião da política, invocando o nome de Deus para obter ganhos bem terrenos. Os evangélicos já têm uma profeta charlatã. Tarcísio, Zema e Caiado, além do secundário Ricardo Nunes, limitaram-se a posar para as câmeras, expondo a matéria de que são feitos.

Um estudo conduzido por cientistas de Yale provou que uma relação mutualista entre vírus e bactérias pode derivar de uma relação originalmente parasitária. Eles mostraram que o comportamento das espécies apresenta vasta elasticidade, o que pode incluir rápidas alternâncias entre parasitismo e mutualismo. A Paulista indica que a conclusão vale, também, no universo da política.

Antes, os três governadores e o prefeito parasitavam Bolsonaro, mantendo prudente distância enquanto recolhiam votos em sua base eleitoral. Hoje, no cenário em que o golpista encontra-se sitiado pelo avanço das investigações, estabeleceu-se uma relação de mútuo benefício. Em troca de votos potenciais, os aliados tornaram-se fiadores do subversivo que almejava lançar as Forças Armadas na aventura da virada de mesa. A coluna vertebral deles nunca mais ficará ereta.

Lideranças que colocam o interesse público à frente do cálculo de vantagens circunstanciais são pérolas raras. Daí, a importância de instituições sólidas e regras bem desenhadas. No caso da Paulista, a devassidão moral dos fiadores de Bolsonaro não explica tudo. Atrás da relação de mutualismo que estabeleceram encontra-se a prerrogativa da Justiça Eleitoral de, anulando a vontade dos eleitores, decidir quem tem o direito de disputar eleições.

Democracias menos imperfeitas não cassam direitos políticos quase em nenhum caso. Por aqui, declara-se inelegibilidade a rodo. Lula foi vítima da supremacia dos juízes eleitores. Agora, é a vez de Bolsonaro. O que conseguiram é transformá-lo em Grande Eleitor, poupando-o do embate político na arena eleitoral. Ao mesmo tempo, libertaram as lideranças da direita da necessidade de marcar suas diferenças com o chefe golpista.

Sem a inelegibilidade, os potenciais candidatos da direita precisariam confrontar a pré-candidatura de Bolsonaro para viabilizar suas pretensões presidenciais. Mesmo a contragosto, teriam que falar sobre a trama cívico-militar bolsonarista contra o sistema eleitoral. Mas os juízes soberanos evitaram uma cisão capaz de isolar a facção subversiva. A missa profana na Paulista foi uma oferenda do TSE ao inimigo da democracia.

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Category: Nacionais

About Luiz Gonzaga Lima de Morais

Formado em Jornalismo pelo Universidade Católica de Pernambuco, em 1978, e em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, em 1989. Faz radiojornalismo desde março de 1980, com um programa semanal na Rádio Espinharas FM 97.9 MHz (antiga AM 1400 KHz), na cidade de Patos (PB), a REVISTA DA SEMANA. Manteve, de 2015 a 2017, na TV Sol, canal fechado de televisão na cidade de Patos, que faz parte do conteúdo da televisão por assinatura da Sol TV, o SALA DE CONVERSA, um programa de entrevistas e debates. As entrevistas podem ser vistas no site www.revistadasemana.com, menu SALA DE CONVERSA. Bancário aposentado do Banco do Brasil e Auditor Fiscal do Trabalho aposentado.

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