“A Vale não pode pensar que é dona do Brasil. Ela não pode pensar que pode mais do que o Brasil. Então, o que nós queremos é o seguinte: as empresas brasileiras precisam estar de acordo com aquilo que é o pensamento de desenvolvimento do governo brasileiro. É só isso que nós queremos”, afirmou Lula da Silva em entrevista à Rede TV!. “Só isso”, nada mais.
Pela espontaneidade da declaração, o presidente parece não ter se dado conta do absurdo que defendeu. Já seria suficientemente ruim se isso estivesse ocorrendo em qualquer companhia privada, mas a ofensiva que ocorre a olhos vistos se dá naquela que é a terceira maior empresa brasileira em valor de mercado e uma das maiores mineradoras do mundo.
Lula não tem legitimidade para participar do processo sucessório da Vale – e tem plena consciência de sua impotência nesse caso. Assim como toda a sociedade, o petista sabe que a Vale não apenas foi privatizada há quase 27 anos, como também teve o controle acionário pulverizado em 2020 – ou seja, não tem um dono definido ou um acionista com participação suficiente para impor seus interesses aos demais.
A participação da Previ – fundo de pensão que, é bom que se diga, não pertence ao governo nem a Lula, mas aos funcionários do Banco do Brasil – é de apenas 8,7% do capital da Vale, o que lhe garante 2 dos 13 assentos do Conselho de Administração. Assim, ao petista, só resta constranger o restante do colegiado, a quem cabe a decisão de manter ou substituir o atual presidente da companhia, Eduardo Bartolomeo. Seu mandato vence em maio, e a pressão do petista foi suficiente para travar a sucessão e rachar o conselho ao meio.
Pela forma como o presidente se sente à vontade para cobrar a companhia, seria de imaginar que o País esteja em posição de dispensar empresas interessadas em investir no País. Se Lula da Silva faz isso com uma das poucas empresas brasileiras com capacidade para competir globalmente, que tipo de tratamento devem esperar as companhias estrangeiras que hesitam – com razão – em aportar recursos no Brasil?
É quase inacreditável que Lula invista contra um dos setores mais pujantes da economia brasileira e que contribui diretamente para a exuberância das contas externas. A indústria mineral exportou quase US$ 43 bilhões no ano passado e gerou um superávit comercial de US$ 31,95 bilhões, quase um terço do saldo da balança comercial no ano passado, de US$ 98,8 bilhões.
Tão fundamental para os bons resultados das contas externas foi o setor de petróleo. Também aí, o alvo é uma das maiores empresas do mundo e a maior do País. Nesse caso, a culpa foi do presidente da Petrobras, Jean-Paul Prates, que, em entrevista à Bloomberg, disse que a política de distribuição de dividendos será mais cautelosa para favorecer investimentos em energia renovável.
Não é o que parece – ao contrário. Foi o próprio Jean-Paul Prates quem anunciou que a Petrobras voltará a ter participação na Refinaria de Mataripe, na Bahia, vendida há menos de três anos. E foi também o ex-senador quem anunciou, ao lado do presidente Lula, a retomada das obras da Refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco, empreendimento que, como poucos, simboliza os equívocos e a corrupção da era petista.
Mas a incoerência é apenas aparente. Lula está fazendo exatamente o que dele se esperava em seu terceiro mandato. Sente-se completamente livre para reeditar as políticas intervencionistas que adotou no passado, ignorando que venceu a disputa eleitoral de 2022 por uma diferença de apenas 2,1 milhões de votos e somente porque uma parte da sociedade não tinha mais estômago para suportar o ex-presidente Jair Bolsonaro.
A Vale não é a dona do Brasil, mas a empresa nunca reivindicou essa condição. Já Lula parece, ele sim, achar que o Brasil e suas empresas privadas devem se submeter às suas vontades.