Heteroidentificação carece de objetividade; renda é o critério mais correto
(Opinião da Folha, em 06/03/2024)
A questão das matrículas foi parar na Justiça, e a polêmica se instalou. O reitor da USP, Carlos Carlotti Junior, promete “corrigir e aprimorar” o processo de seleção pelo sistema de cotas raciais.
É bem-vindo o empenho da USP para evitar injustiças, mas é fato que elas se repetirão —neste ano, a universidade recebeu 204 recursos de candidatos que tiveram a matrícula negada pela banca avaliadora.
Não é por outra razão que o IBGE e a própria legislação de cotas operam com o conceito de autodeclaração (cada um é o que diz ser).
Entretanto quando o STF, ao atender uma demanda do movimento negro, admitiu também a heteroidentificação, abriram-se as portas para o imbróglio.
Assim, a autodeclaração se tornou passível de revisão por comissões, cujos juízos não passam de somatória de impressões pessoais.
Tais comitês até podem funcionar como desestímulo àqueles que se declaram pardos só para usufruir das vantagens das cotas, mas não evitam injustiças.
Esse parece ser o caso dos candidatos da USP, que os julgou apenas por fotos e vídeo. Ambos estudaram em escola pública e vêm de famílias miscigenadas.
Da forma como o sistema está desenhado, essa é uma aporia irremediável. Quaisquer decisões tomadas por bancas estarão envoltas pelo manto da subjetividade.
A precariedade das categorias é uma das razões pelas quais esta Folha defende que o sistema de cotas nas universidades, que combina critérios sociais com raciais, funcione apenas pelos sociais, que são objetivos e mensuráveis.
A renda familiar tem expressão em números, não em ideias discutíveis sobre o que constitui raça. Em termos demográficos, favorecer os mais pobres já significa contemplar negros e pardos, dado que as privações econômicas são o mais saliente e o mais perverso dos efeitos do racismo.
Comentário nosso
As quotas foram um passo positivo no sentido de tornar a universidade mais acessível para as classes menos privilegiadas. Mas os critérios de eleição dos candidatos baseados na raça e na cor se mostraram frágeis por darem margem a injustiças. Se no caso da cor vale o que cada um declara, quem quiser se beneficiar vai se dizer pardo ou negro, mesmo que não tenha nenhum sangue negro. E diante da discursão aberta surgem agora as sugestões de que o melhor critério é o baseado na renda familiar que pode ser expressa em números. Todo mundo sabe que a renda familiar é manipulável. Basta alguns membros mudarem de endereço para diminuir a renda familiar dos demais, que pode se beneficiar através do CADÚNICO. Mas é um critério que pode ser fiscalizável, embora fiscalização ainda é uma coisa que funciona muito precariamente no Brasil. Quantos milhares não vêm recebendo o bolsa-familia indevidamente? Mas de qualquer maneira, a fiscalização, se bem feita, vai pilhar os que tentarem fraudar o sistema e excluí-los do benefício, inclusive com a perda dos créditos que os alunos tenham obtido, por terem fraudado o sistema. No final, negros e pardos, além dos brancos pobres serão igualmente beneficiados, desde que estejam dentro do limite de renda estabelecido pela lei. E os que poderia ser beneficiados pela cor no sistema atual, serão igualmente beneficiados, por que em sua maioria também são de baixa renda, ficando de fora do benefício apenas os de renda mais alta. Aliás o ideal era que a maioria das vagas nas faculdades públicas fosse para os pobres e nas vagas destinadas aos ricos fossem cobradas mensalidades, em valor suficiente para pagar as vagas dos pobres. (LGLM)