Moralismo politizado questiona bom senso adulto no STF, enquanto Legislativo ameaça com sandice histórica
(Marcos Augusto Gonçalves, na Folha, em 07/03/2024)
Seja o que for que o STF decida sobre porte e tráfico, para esse grupo social pouco ou nada irá mudar. Continuarão esses usuários a guardar suas quantidades para consumo doméstico, fumarão em shows, na esquina do restaurante, na praia, na pracinha ou em festas com amigos.
Para quem tem meios, as entregas são realizadas no melhor padrão delivery e pode-se pagar com boletos ou Pix. Sites e aplicativos na internet dão dicas de plantio e discutem as características das diversas qualidades, que hoje podem ser adquiridas em São Paulo, Paris ou Nova York.
Quantos pertencentes a esse universo de ilustres consumidores –e não esqueçamos seus filhos– estão atrás das grades sem sentença no inferno presidiário brasileiro? A superlotação do sistema prisional, sob o comando de facções, e a destruição de vidas de jovens pobres são o resultado da incompetência cósmica das autoridades nacionais, que não conseguem nem controlar cadeias, nem estabelecer uma simples diferença entre tráfico e consumo.
É desanimador que desde 2015 o Supremo Tribunal Federal não tenha se mostrado capaz de tomar uma decisão republicana sobre o caso. O debate é contaminado pela alucinação moralista e politizada dos proibicionistas ou pela hesitação temerosa de quem quer ficar de bem com todos.
Impõe-se uma distorção exasperante ao caso, como se o Supremo fosse determinar ou não a legalização da maconha —tema que, aliás, promete tardar no Brasil tanto quanto tardou a extinção do regime escravista.
Jogando na confusão, ministros conservadores externam votos rocambólicos, nos quais aceitam fixar uma quantidade para separar consumo e tráfico, mas se revelam contra a despenalização em vigor e fazem proselitismo sobre problemas de saúde ocasionados pela maconha. Disse André Mendonça, por exemplo, que “não se trata de vida privada, se trata de danos à saúde publica, aumento de suicídio, aumento de acidentes”…
Ora, não é sobre isso que o tribunal foi chamado a decidir. Além de vilipendiar a questão em pauta, faz-se de conta que não existem no mercado legal produtos que podem causar graves problemas à saúde pública, a começar por drogas lícitas, como álcool e tabaco. E o que dizer de veículos que emitem gases estufa ou do mortífero descontrole da expansão de motocicletas no trânsito das cidades? Ou, ainda, dos alimentos ultraprocessados?
O STF poderá até chegar, com atraso imperdoável, a algum relatório razoável, porém, mais uma vez, a corte tropeça e ministros entregam-se a um ativismo inapropriado.
Não é improvável que a questão acabe transferida para o Legislativo, onde já existem propostas para criminalizar o usuário e qualquer porte de droga. Trata-se de uma sandice sem tamanho que conta com o endosso do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco. Continuamos a assistir a uma marcha anticivilizatória de assustar. Como diriam os Beatles: Help!
Comentário nosso
Você sabe por que deputados e senadores são contra a liberação do porte de maconha para consumo próprio e pretendem aprovar um projeto neste sentido? Simplesmente por que nunca um rico ou um filho de rico vai ser preso por porte de maconha. O rico quando quer qualquer droga passa uma mensagem para os seus fornecedores e recebe a droga em casa ou no trabalho, pagando através de pix. Ou seja. Passa um pix e em muitos está pronto para “fazer a cabeça”. Os grandes traficantes nunca serão prejudicados pela sua futura lei. Só traficantes “pés de chinelo” e os usuários de droga pobre é que serão prejudicados. Anote o nome de quem votar nesta lei para dar o troco na próxima eleição. Mas eles confiam que o eleitor tem a memória curta e está sempre pronto para fazer o papel de besta! E os deputados e senadores têm dinheiro suficiente para sempre comprar o voto dos bestas. (LGLM)