Uma balbúrdia desnecessária

By | 15/03/2024 8:42 am
Imagem ex-librisA Comissão de Constituição e Justiça do Senado aprovou na quarta-feira a proposta de emenda à Constituição (PEC) que inclui a criminalização da posse e porte de drogas na Constituição. A iniciativa é uma manifesta demonstração de força ante o avanço do julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF), ora suspenso por um pedido de vista, de um Recurso Extraordinário sobre o tema. Com cinco votos favoráveis ao recurso e três contrários, a Corte está a um voto de declarar inconstitucional a criminalização do consumo de maconha.

Fabricou-se assim um novo confronto entre o Judiciário e o Legislativo, contraproducente para uma repactuação social a propósito da ordem jurídica adequada às drogas e deletério para a harmonia entre os Poderes. Não é preciso entrar no mérito da controvérsia. Os equívocos de ambos os lados estão na forma de conduzi-la.

Os votos prevalecentes na Corte se fundamentam no princípio constitucional da inviolabilidade da intimidade e da vida privada. Condutas individuais não nocivas a outros não seriam passíveis de punição. Os votos contrários alegam o dever constitucional do Estado de zelar pela saúde de todos. Nesse sentido, não se questiona, por exemplo, a constitucionalidade de sanções a quem não utiliza o cinto de segurança ou restrições a quem não toma vacinas.

Mas o fato é que o Congresso já havia pactuado uma solução de compromisso na Lei de Drogas de 2006. O legislador distinguiu o traficante do usuário e, se não descriminalizou de jure o consumo, o descriminalizou de facto, praticamente despenalizando essa conduta. Pela lei vigente, ninguém pode ser preso pelo porte para consumo. As penas se restringem a advertência, serviços comunitários ou medidas educativas.

E, no entanto, foi a própria recusa do Judiciário em cumprir a vontade do legislador que detonou esta guerra institucional. Juízes punitivistas passaram a condenar de maneira arbitrária o mero porte como tráfico. A lei, de fato, não estabelece um critério objetivo de quantidade para distinguir usuário de traficante. Mas nem precisaria. Todos os anos surgem novas drogas e velhas drogas são alteradas, e não faria sentido fixar em lei uma quantidade para cada uma delas. Bastaria à Corte estabelecer orientações judiciais, periodicamente recicladas e adaptadas a essas constantes mudanças, para garantir a isonomia na aplicação da lei.

Ao invés disso, o STF está a ponto de descriminalizar o porte de maconha e estabelecer critérios de quantidade com força de lei. Como nem a Constituição nem a Lei de Drogas diferenciam a maconha de outras substâncias ilícitas, ao fabricar essa nova legislação das drogas a Corte estará atropelando competências do Legislativo.

Ferido em seus brios, o Senado agora move uma contraofensiva que só criará mais problemas. A rigor, a PEC não altera as disposições da Lei de Drogas e mantém a distinção entre usuário e traficante. Mas Constituições deveriam se restringir a consagrar direitos fundamentais dos cidadãos e princípios gerais para o funcionamento do Estado. O resto deveria ser deixado à legislação ordinária, que pode, com muito mais flexibilidade, adaptar-se às constantes repactuações de uma sociedade dinâmica – como, por exemplo, a propósito de seu entendimento sobre a ordem jurídica que deve regular as drogas. A prolixidade constitutiva de uma Constituição excessivamente extensa e pormenorizada já causa entraves demais a essas repactuações. Não faz nenhum sentido engessá-las ainda mais com mais um dispositivo de cunho penal.

Nem o Legislativo deveria constitucionalizar a criminalização das drogas nem o Judiciário deveria declarar inconstitucional a criminalização de uma droga específica. Melhor seria que ambos deixassem a Constituição fora disso, e o Judiciário se restringisse a aplicar a lei, estabelecendo critérios objetivos para garantir que os juízes a apliquem com isonomia, e deixando à sociedade e seus representantes eleitos a tarefa de sedimentar consensos sobre a regulação das drogas. É hora de o Supremo e o Congresso baixarem as armas e darem um passo atrás.

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Category: Nacionais

About Luiz Gonzaga Lima de Morais

Formado em Jornalismo pelo Universidade Católica de Pernambuco, em 1978, e em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, em 1989. Faz radiojornalismo desde março de 1980, com um programa semanal na Rádio Espinharas FM 97.9 MHz (antiga AM 1400 KHz), na cidade de Patos (PB), a REVISTA DA SEMANA. Manteve, de 2015 a 2017, na TV Sol, canal fechado de televisão na cidade de Patos, que faz parte do conteúdo da televisão por assinatura da Sol TV, o SALA DE CONVERSA, um programa de entrevistas e debates. As entrevistas podem ser vistas no site www.revistadasemana.com, menu SALA DE CONVERSA. Bancário aposentado do Banco do Brasil e Auditor Fiscal do Trabalho aposentado.

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