Um dos nomes centrais do crime, como se sabe agora, teria sido o delegado Rivaldo Barbosa, ex-chefe da área de Homicídios e posteriormente de toda a Polícia Civil fluminense e o principal responsável pela investigação do caso na esfera estadual. O relatório da PF acusa o delegado de ter colocado a corporação à disposição de milicianos, bicheiros e políticos dispostos a pagar caro pela sua omissão e pela proteção do jogo do bicho e das milícias – a mutação sombria da parcela criminosa da polícia. Também teria exercido o papel de “planejador” da ação executada por Ronnie Lessa e Élcio Queiroz.
Barbosa é o quarto chefe de polícia do Rio afastado e preso por acusação de envolvimento com o crime. Em 2008 foram Álvaro Lins, preso por corrupção, lavagem de dinheiro e organização criminosa, e Ricardo Hallack, por corrupção, formação de quadrilha e também lavagem de dinheiro. Em 2022, foi a vez de Allan Turnowski, por suspeita de organização criminosa e envolvimento com o jogo do bicho. Nos anos 1990, tornou-se célebre a expressão “banda podre da polícia”, cunhada pelo delegado Hélio Luz, então chefe da Polícia Civil fluminense, para definir a simbiose entre o crime organizado e policiais que deveriam combatê-lo.
No passado, agentes públicos criminosos trabalhavam em favor do tráfico de drogas. Hoje, como se constata, além do tráfico, policiais se imiscuíram também nos negócios das milícias e do jogo do bicho, incluindo a disputa por territórios, o controle da regularização de ocupações ilegais e dos serviços, no comércio e no voto das comunidades do Rio. Nada disso seria possível sem a devida participação de políticos, a omissão de integrantes do Ministério Público e a cumplicidade de juízes e desembargadores.
A longevidade das crises e a extensão desse Estado paralelo e indissociável do crime justificam mudanças. A natureza e a profundidade dessas mudanças podem ser debatidas e detalhadas num indispensável debate democrático, mas não restam dúvidas de que o modelo atual é absolutamente disfuncional. Não faltará ceticismo, o que é compreensível, pois promover reformas de instituições policiais requer lideranças políticas comprometidas com mudanças reais e núcleos do alto comando das corporações igualmente dispostos a isso – e hoje quem deveria ser essa liderança parece ser parte do problema.
Apesar da gravidade, não se trata de um caminho sem volta. A repercussão e o choque podem inspirar o impulso reformador, a fim de termos nas polícias o que delas se espera: capacidade de afastar, de maneira contínua, policiais corruptos ou excessivamente violentos; ter gestores bem formados com capacidade para implementar procedimentos sólidos que possam ser supervisionados e revisados frequentemente; garantir planejamento estratégico para a atuação territorial e abordagens policiais; promover integração entre as duas polícias (Civil e Militar); investigar o envolvimento de policiais com corrupção e morte; e, enfim, descobrir e explicar por que investigações são sabotadas.
A mudança pode começar com um pacto contra a impunidade. Um levantamento recente do Instituto Sou da Paz mostrou que o País esclarece somente 35% dos homicídios dolosos (quando há intenção de matar). O Rio, ora vejam, é o Estado brasileiro com a menor taxa de esclarecimento dos crimes contra a vida. São dois dados que dizem quase tanto quanto o perverso enredo que levou Marielle à morte.
Comentário nosso
E parece que a conivência da polícia com os criminosos é mais ou menos generalizada em todo o país, em maior ou menor intensidade. Se não, por que explicar o fato de todo mundo saber onde tem uma “boca-de-fumo” em Patos, em quase toda rua, e só a polícia não saber. Ou fingir que não sabe. Há uns seis meses, recebi uma denúncia de uma “boca-de-fumo” em determinada rua e repassei a informação a uma determinada autoridade militar, a quem perguntei por que todos os vizinhos sabiam do fato e só a policia não sabia. Ele argumentou que a atividade da polícia dependia de um mandato judicial, que não podiam fazer um flagrante sem ter um mandado judicial. Estranhei o fato, até por que, segundo fui informado por quem me fez a denúncia, até hoje a “boca” continua funcionando. Alguém me sugeriu fazer a denúncia por um determinado telefone. Se a gente faz a denúncia, se identificando e não acreditam, avaliem uma denúncia feita pelo telefone, onde garantem haver sigilo total. Será que adianta fazer denúncias pelo telefone, se eles só vão apurar quando lhe interessa? (LGLM)