Mais do que uma banda podre (com comentário nosso)

By | 31/03/2024 2:25 pm
Imagem ex-librisCrises gravíssimas, seguidas de grande clamor popular, costumam ser más conselheiras, sobretudo quando resultam em pressa na distribuição de responsabilidades e na exigência de respostas rápidas à indignação nacional. Mas podem também, como no caso das investigações sobre o assassinato da vereadora Marielle Franco, converter-se numa oportunidade providencial para mudanças inadiáveis. Reformar as polícias é uma dessas mudanças. No caso do Rio de Janeiro em particular, convém não só assegurar mais eficiência para uma instituição que reconhecidamente vem falhando no dever de garantir mais segurança pública e menos violência, como também construir os diques de contenção do crime e seu avanço inaceitável sobre a estrutura estatal.

Um dos nomes centrais do crime, como se sabe agora, teria sido o delegado Rivaldo Barbosa, ex-chefe da área de Homicídios e posteriormente de toda a Polícia Civil fluminense e o principal responsável pela investigação do caso na esfera estadual. O relatório da PF acusa o delegado de ter colocado a corporação à disposição de milicianos, bicheiros e políticos dispostos a pagar caro pela sua omissão e pela proteção do jogo do bicho e das milícias – a mutação sombria da parcela criminosa da polícia. Também teria exercido o papel de “planejador” da ação executada por Ronnie Lessa e Élcio Queiroz.

Barbosa é o quarto chefe de polícia do Rio afastado e preso por acusação de envolvimento com o crime. Em 2008 foram Álvaro Lins, preso por corrupção, lavagem de dinheiro e organização criminosa, e Ricardo Hallack, por corrupção, formação de quadrilha e também lavagem de dinheiro. Em 2022, foi a vez de Allan Turnowski, por suspeita de organização criminosa e envolvimento com o jogo do bicho. Nos anos 1990, tornou-se célebre a expressão “banda podre da polícia”, cunhada pelo delegado Hélio Luz, então chefe da Polícia Civil fluminense, para definir a simbiose entre o crime organizado e policiais que deveriam combatê-lo.

No passado, agentes públicos criminosos trabalhavam em favor do tráfico de drogas. Hoje, como se constata, além do tráfico, policiais se imiscuíram também nos negócios das milícias e do jogo do bicho, incluindo a disputa por territórios, o controle da regularização de ocupações ilegais e dos serviços, no comércio e no voto das comunidades do Rio. Nada disso seria possível sem a devida participação de políticos, a omissão de integrantes do Ministério Público e a cumplicidade de juízes e desembargadores.

A longevidade das crises e a extensão desse Estado paralelo e indissociável do crime justificam mudanças. A natureza e a profundidade dessas mudanças podem ser debatidas e detalhadas num indispensável debate democrático, mas não restam dúvidas de que o modelo atual é absolutamente disfuncional. Não faltará ceticismo, o que é compreensível, pois promover reformas de instituições policiais requer lideranças políticas comprometidas com mudanças reais e núcleos do alto comando das corporações igualmente dispostos a isso – e hoje quem deveria ser essa liderança parece ser parte do problema.

Apesar da gravidade, não se trata de um caminho sem volta. A repercussão e o choque podem inspirar o impulso reformador, a fim de termos nas polícias o que delas se espera: capacidade de afastar, de maneira contínua, policiais corruptos ou excessivamente violentos; ter gestores bem formados com capacidade para implementar procedimentos sólidos que possam ser supervisionados e revisados frequentemente; garantir planejamento estratégico para a atuação territorial e abordagens policiais; promover integração entre as duas polícias (Civil e Militar); investigar o envolvimento de policiais com corrupção e morte; e, enfim, descobrir e explicar por que investigações são sabotadas.

A mudança pode começar com um pacto contra a impunidade. Um levantamento recente do Instituto Sou da Paz mostrou que o País esclarece somente 35% dos homicídios dolosos (quando há intenção de matar). O Rio, ora vejam, é o Estado brasileiro com a menor taxa de esclarecimento dos crimes contra a vida. São dois dados que dizem quase tanto quanto o perverso enredo que levou Marielle à morte.

Comentário nosso

E parece que a conivência da polícia com os criminosos é mais ou menos generalizada em todo o país, em maior ou menor intensidade.  Se não, por que explicar o fato de todo mundo saber onde tem uma “boca-de-fumo” em Patos, em quase toda rua, e só a polícia não saber.  Ou fingir que não sabe. Há uns seis meses, recebi uma denúncia de uma “boca-de-fumo” em determinada rua e repassei a informação a uma determinada autoridade militar, a quem perguntei por que todos os vizinhos sabiam do fato e só a policia não sabia. Ele argumentou que a atividade da polícia dependia de um mandato judicial, que não podiam fazer um flagrante sem ter um mandado judicial.  Estranhei o fato, até por que, segundo fui informado por quem me fez a denúncia, até hoje a “boca” continua funcionando. Alguém me sugeriu fazer a denúncia por um determinado telefone. Se a gente faz a denúncia, se identificando e não acreditam, avaliem uma denúncia feita pelo telefone, onde garantem haver sigilo total. Será que adianta fazer denúncias pelo telefone, se eles só vão apurar quando lhe interessa? (LGLM)

 

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About Luiz Gonzaga Lima de Morais

Formado em Jornalismo pelo Universidade Católica de Pernambuco, em 1978, e em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, em 1989. Faz radiojornalismo desde março de 1980, com um programa semanal na Rádio Espinharas FM 97.9 MHz (antiga AM 1400 KHz), na cidade de Patos (PB), a REVISTA DA SEMANA. Manteve, de 2015 a 2017, na TV Sol, canal fechado de televisão na cidade de Patos, que faz parte do conteúdo da televisão por assinatura da Sol TV, o SALA DE CONVERSA, um programa de entrevistas e debates. As entrevistas podem ser vistas no site www.revistadasemana.com, menu SALA DE CONVERSA. Bancário aposentado do Banco do Brasil e Auditor Fiscal do Trabalho aposentado.

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