A atuação política do setor é legítima e necessária, mas a partidarização é nociva, tanto mais se atrelada a uma figura deletéria à pauta conservadora e liberal como o ex-presidente
No ano passado, à custa de prestigiar o ex-presidente Jair Bolsonaro na solenidade de abertura, a direção do evento provocou tremendo embaraço ao desconvidar o ministro da Agricultura, Carlos Fávaro. O governo emendou mal o soneto, ameaçando retirar o patrocínio do Banco do Brasil, o que acabou não acontecendo. Mas a cerimônia de inauguração foi cancelada.
Neste ano, a solenidade oficial de abertura, no domingo em Ribeirão Preto, contou com as presenças de Fávaro e do vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Geraldo Alckmin. Mas, em mais uma manobra visivelmente calculada para afagar Bolsonaro, a abertura foi realizada, de maneira totalmente incompatível com um evento deste porte, sem a presença do público pela primeira vez em 30 anos. No mesmo dia, Bolsonaro organizou uma manifestação também em Ribeirão Preto, que contou com os governadores de dois Estados destacados por sua produção agrícola: Tarcísio de Freitas, de São Paulo, e Ronaldo Caiado, de Goiás. Os três participaram da abertura ao público geral na segunda-feira, transmutada em um comício bolsonarista.
O agro precisa se despartidarizar. Isso não significa se despolitizar. A cadeia global de agropecuária é um setor notavelmente atendido por subsídios, e o agro depende do poder público para se manter competitivo. Inversamente, o Poder Público também depende do agro, há tempos o setor mais pujante da economia, que segue todos os anos superando marcos de produtividade, inovação e sustentabilidade.
Nessas condições, é legítimo que o setor se organize para promover seus interesses na arena política. De fato, a Frente Parlamentar Agropecuária é a mais ampla e possivelmente a mais poderosa no Congresso: são 324 deputados e 50 senadores de legendas e colorações ideológicas variadas.
Ninguém ignora que os agentes do setor são tradicionalmente conservadores e têm divergências agudas com os governos lulopetistas em relação, por exemplo, à demarcação de terras indígenas ou à conivência com invasões de terra como as do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Questionar e pressionar o governo por meio de bancadas de representantes eleitos e organizações civis é legítimo. Mas é nocivo para o setor quando essas pautas transbordam a arena política e contaminam um evento que deveria ser pluripartidário, prejudicando possibilidades de cooperação com o governo democraticamente eleito em favor dos interesses do País. Tanto pior quando os organizadores do evento permitem que ele seja, explícita ou implicitamente, sequestrado por uma figura deletéria às pautas conservadoras e liberais como Jair Bolsonaro.
Não é conservador nem liberal quem enquadra a política como uma batalha entre amigos e inimigos e promove rupturas institucionais ao invés de reformas; a concentração do poder ao invés da descentralização; a submissão das instituições ao invés de sua independência; o intervencionismo estatal ao invés do livre mercado. Não é conservador nem liberal – só reacionário e autoritário – quem flerta com um golpe de Estado que, se não por mais nada, implicaria um tremendo impacto à economia nacional, inclusive às importações e exportações do agronegócio.
Diz-se que o agro é pop, e com razão. Acima de tudo, o agro é forte, econômica e politicamente, e não precisa de um vândalo político como Bolsonaro para promover seus interesses. As eleições passaram, o eleitorado optou pelo atual governo, e é com ele que o agro tem de tratar, como tem de tratar com qualquer governo, de esquerda, direita ou centro. Já passou da hora de o setor se despartidarizar e, sobretudo, se desvencilhar desse passivo político que atende pelo nome de Jair Bolsonaro.