Responsável pela articulação política do governo e, como tal, liberador-oficial de emendas parlamentares, o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, ainda se gabou do triunfo orçamentário, como sinal de compromisso com o Congresso: “Estamos fechando o dia de hoje, 30 de abril, com um recorde de publicação de empenhos de emendas parlamentares. Ultrapassamos R$ 14 bilhões. (…) O Ministério da Saúde foi o campeão nesse empenho”, disse o ministro, em referência ao fatídico dia em que quase R$ 5 bilhões foram liberados, feito que ajudou a alcançar o mencionado recorde. Resta refletir os termos, o custo e as consequências desse compromisso. Longe de configurar a eficiência de gestão de que se jactou Padilha, tratou-se de um flagrante agrado a parlamentares queixosos que, sob a liderança do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), haviam emparedado o governo.
Padilha, o Ministério da Saúde e a ministra Nísia Trindade têm estado no epicentro da crise de relacionamento entre o Congresso e o governo. Deflagrou-se um tiroteio contra Nísia, motivado menos pela preocupação com a saúde pública e muito mais pelo represamento de verbas parlamentares atreladas aos recursos da pasta. Apesar dos vícios de origem, os ataques ajudaram a descortinar malfeitos, entre os quais problemas na gestão dos hospitais federais no Rio de Janeiro, deficiências no enfrentamento da dengue e inépcia diante da emergência sanitária do povo yanomami. A chantagem explícita já surtira algum efeito: como também revelou o Estadão em abril, R$ 8,2 bilhões foram repassados a Estados e municípios em 2023 fora dos controles republicanos. São recursos que seguem direto do caixa da União para prefeituras e governos estaduais, sem muito controle externo. Mais grave: alguns entes agraciados com repasses milionários não tinham sequer capacidade material para dispor de tanto dinheiro, enquanto outros ficaram sem recursos, evidência de que critérios técnicos foram substituídos pela conveniência política.
Nada haveria de errado, nos repasses de 2023 ou na distribuição de recursos deste ano, se o dinheiro tivesse chegado aos seus destinos para viabilizar projetos bem planejados e implementados. Também seria legítimo se o manejo do Orçamento federal se desse com base em genuíno diálogo político entre Executivo e Legislativo, no respeito às relações federativas e, sobretudo, se fosse controlado, executado e fiscalizado de forma técnica e transparente. Não é o caso.
Não se ignora aqui que boa parte dos problemas que regem as relações entre o Executivo e o Legislativo é anterior ao atual governo. Lula precisa lidar tanto com uma base parlamentar frágil como também com as prerrogativas de congressistas sobre o Orçamento, que tornam refém qualquer presidente da República. Negociar apoio, nessas condições, requer um esforço que vai além do convencimento sobre boas políticas. O problema é de outra ordem: é a liberação desorganizada, sem critérios e nada transparente, das emendas parlamentares, o mau uso de uma área sensível para obter dividendos políticos e o indefensável toma lá dá cá à custa da saúde da população. Nenhum governo pode se gabar disso.
Comentário nosso
Se o Congresso Nacional é cada vez mais vergonhoso, o Governo Lula não fica atrás, pois simplesmente se rebaixa a atender toda a chantagem dos deputados e senadores. Os parlamentares exigem a liberação das verbas parlamentares e o Governo simplesmente as libera sem nem querer saber onde o dinheiro será usado e sem fiscalizar a sua aplicação. Fiscalização que deveria ser muito maior num ano eleitoral, quando os desvios são muito mais comuns. (LGLM)