Ao lidar com um caso de mau jornalismo praticado por um jornal de PE, a Corte não deveria ter fixado tese de repercussão geral. Tendo feito isso, que ao menos seja mais objetiva
Convém relembrar o caso. Em 1995, o Diário de Pernambuco publicou uma entrevista do delegado Wandenkolk Wanderley na qual o policial acusara o ex-deputado Ricardo Zarattini Filho (PT) de ter participado do atentado a bomba no Aeroporto dos Guararapes, no Recife, em 1966. Zarattini Filho, falecido em 2017, processou o jornal à época sustentando que a acusação que lhe fora imputada era “sabidamente falsa”. Ademais, alegou que o jornal não lhe dera o devido espaço para resposta.
O pleito do ex-deputado petista foi negado na primeira instância, mas o processo chegou ao Superior Tribunal de Justiça (STJ). Em Brasília, Zarattini Filho obteve êxito. E foi precisamente contra essa decisão do STJ que o Diário de Pernambuco recorreu ao Supremo, sob o argumento de que a punição que sofrera pela injusta acusação feita por Wandenkolk representava “cerceamento da liberdade de imprensa”.
No caso particular do Diário de Pernambuco, a acusação veiculada contra Zarattini Filho era mesmo sabidamente falsa. Estava-se diante, portanto, de mau jornalismo. Mas o Supremo não se restringiu a analisar apenas a conduta do veículo pernambucano. A Corte fixou uma tese com repercussão geral, arvorando-se, desse modo, em espécie de bedel do jornalismo profissional. Eis o problema.
A tese fixada pelo STF é vaga demais. Por maioria, os ministros da Corte asseveraram que uma empresa jornalística é passível de punição civil se restar comprovado que, “na época da divulgação da entrevista, já se sabia, por indícios concretos, que a acusação (feita pelo entrevistado) era falsa e a empresa não cumpriu o dever de cuidado de verificar a veracidade dos fatos e de divulgar que a acusação era controvertida”. Tal como vai escrita, a tese, de fato, abriu um perigosíssimo espaço para o cerceamento da liberdade de imprensa no País. E não porque o STF seja hostil à liberdade de imprensa – de resto, um pilar democrático protegido pela Constituição de 1988 como cláusula pétrea –, mas porque a tese é mesmo obscura.
Nesse sentido, é plenamente justificável a premência desse encontro, solicitado pelas associações jornalísticas, com o ministro Fachin – ao final do qual também foram recebidas pelo ministro presidente do STF, Luís Roberto Barroso. Quanto antes as omissões, obscuridades e contradições da tese forem esclarecidas, tanto menor será o espaço para uma interpretação enviesada que possa, eventualmente, comprometer a livre atuação dos veículos jornalísticos no País. Ocioso dizer o quanto a sociedade sai perdendo com uma imprensa acanhada por um justo receio de vir a sofrer punições por conta dessa falta de clareza do STF.
Afinal, o que são “indícios concretos”? Como apurar a “veracidade dos fatos” no caso de acusações feitas por um entrevistado que ainda nem sequer se tornaram objetos de investigação? Como realizar uma apuração desse nível durante entrevistas ao vivo? São questões urgentes que já levantamos neste espaço (ver O STF e a imprensa responsável, 1/12/2023), cujas respostas vão definir se a imprensa haverá de seguir plenamente livre como assegura a ordem constitucional vigente.
Como se vê, não é nem um pouco trivial o que está em jogo na análise desses embargos declaratórios. Não por acaso, esse recurso mobilizou não uma ou outra associação, mas praticamente todas as entidades de representação do jornalismo profissional no Brasil.
Comentário nosso
Tem razão o editorialista. Não há como o entrevistador censurar o que diz um entrevistado. Mesmo que seja uma entrevista gravada. O que a Justiça deve processar é quem fez a afirmativa mentirosa e obrigá-lo a desmentir pelo mesmo veículo a mentira que proferiu. A decisão judicial demonstra desconhecimento de como as coisas funcionam na prática. Afinal o entrevistado era uma pessoa que se pressupunha respeitável e confiável. Não era um “zé ninguém” sem nenhuma representatividade, apesar de politicamente poder ser tendencioso. (LGLM)