Nos bastidores, cúpula do PT acha que Haddad “terceirizou” a má notícia, ainda em estudo, para medir impacto na população; Luiz Marinho (Trabalho) diz que proposta é ‘absurda’
(Vera Rosa, Repórter especial do ‘Estadão’. Na Sucursal de Brasília desde 2003, sempre cobrindo Planalto e Congresso. É jornalista formada pela PUC-SP, no Estadão, em 07/05/2024)
Embora a ideia tenha sido externada pela ministra do Planejamento, Simone Tebet (MDB), a avaliação da cúpula do PT é de que Haddad “terceirizou” a notícia e lançou a maldade no ar como uma espécie de balão de ensaio para medir o impacto na população.
Além de Tebet, o secretário do Tesouro Nacional, Rogério Ceron, também admitiu que o governo Lula pode recorrer a novas medidas para conter a explosão dos gastos previdenciários. Assim como a ministra do Planejamento, Ceron tratou a questão como um “sinal de alerta”.
Ninguém do governo diz com todas as letras, mas, na prática, o plano é mesmo rever alguns benefícios sociais, hoje atrelados ao aumento do mínimo, para o ajuste fiscal avançar e sair das cordas.
A ideia não é nova. No governo de Jair Bolsonaro, a estratégia foi defendida pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, mas não chegou a ir adiante. Agora reapareceu, com outros argumentos, em uma entrevista de Tebet ao jornal Valor Econômico.
Foi o que bastou para virem a público as críticas ao “sinal de alerta” dado pela equipe econômica.
“Sou totalmente contra essa proposta, que acho absurda”, disse à Coluna o ministro do Trabalho, Luiz Marinho. “Se é para apresentar uma proposta dessas, vamos logo acabar com a política de valorização permanente do salário mínimo”, completou ele.
Para o ministro da Previdência, Carlos Lupi (PDT), a sugestão apresentada por Tebet não tem como prosperar. “Isso é tirar renda da parte mais pobre da população”, constatou Lupi. “Lutarei contra.”
Desde o ano passado, a equipe econômica tem avaliado formas de reduzir as correções de benefícios previdenciários e sociais porque as contas não fecham dentro do arcabouço fiscal.
A presidente do PT, Gleisi Hoffmann, disse à Coluna que o partido não tem como apoiar a proposta de desvincular as aposentadorias do aumento real do salário mínimo.
“Isso é contrário a tudo que sempre defendemos até hoje”, destacou Gleisi. “Podem cortar despesas de juros. Por que cortar em cima dos mais pobres? Estamos falando de gente que ganha no máximo até dois salários mínimos de benefício.”
Gleisi é a voz mais crítica, nas fileiras do PT, à atuação do presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, e já defendeu até mesmo a saída dele do cargo.
Para a deputada, uma ideia como a exposta por Tebet não deveria nem sequer constar de estudos e relatórios.
“Nós vamos levantar a bandeira de tirar a educação de qualquer limite fiscal, e não de diminuir os gastos”, avisou a presidente do PT. “A educação já se recuperou muito no nosso governo e é importante deixar claro essa concepção do País que defendemos.”
Desde que a polêmica veio à tona, Lula nada disse sobre o assunto. Seus interlocutores asseguram, porém, que ele dificilmente aprovará a desvinculação dos benefícios pagos pela Previdência da política de valorização do mínimo. O presidente é candidato à reeleição, em 2026, e é improvável que se indisponha com essa fatia do eleitorado.
“Um negócio desses seria uma traição porque é o contrário do que está no nosso programa de governo”, reagiu o deputado Lindbergh Farias (PT-RJ). Toda essa discussão, no seu entender, é fruto do “pecado original”. Traduzindo: manter uma previsão “irreal” de zerar o déficit neste ano.
“Os pisos previdenciários e de benefícios assistenciais deveriam ser corrigidos apenas pela inflação e não pelo salário mínimo nacional”, escreveu Marcos em um dos trechos.
Haddad chegou a dizer, certa vez, que o PT havia feito um bolão para ver quanto tempo ele duraria no cargo. Não estava errado. Ao que tudo indica, aí vem mais uma temporada da série “austericídio fiscal”. Só não sabemos, por enquanto, se esses episódios vão atravessar 2026.