A lógica da indecência (confira comentário nosso)

By | 12/05/2024 8:32 am
Imagem ex-librisO presidente do Supremo Tribunal Federal, Luís Roberto Barroso, admitiu a magistrados que manobra pela aprovação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) – aprovada pelo Senado e em trâmite na Câmara – que concede a juízes, promotores e ministros dos tribunais de contas um adicional de 5% no salário a cada cinco anos. Segundo ele, esse quinquênio valorizará a parte intermediária da magistratura, mas “sem os abusos” do topo de carreira. Isso porque a PEC prevê que o bônus será limitado a 35% do teto constitucional. De fato, os juízes no topo já não receberão aumentos, mas nem precisam, porque, na prática, o teto salarial terá sido abolido. A ideia de que o quinquênio valorizará juízes, “mas sem abusos”, é uma impossibilidade lógica. O quinquênio é, em essência, abusivo, em múltiplos aspectos: moral, administrativo e fiscal.

Suponhamos que se pretendesse conceder o benefício a todos os servidores. Isso já seria um abuso. Em média, os servidores já ganham acima de seus pares na iniciativa privada, sem contar benefícios como estabilidade e previdência diferenciada. Por que deveriam receber adicionais automáticos por tempo de serviço, uma prática que não se aplica em nenhuma carreira, por razões óbvias: aumentos são prêmios ao desempenho de cada profissional? Um acréscimo vegetativo e indiscriminado, ao contrário, é um incentivo à ineficiência. Assim, o quinquênio penaliza os cidadãos não só com mais gastos e desigualdade, mas com piores serviços.

Esse hipotético quinquênio generalizado seria ao menos um arremedo de respeito à isonomia. Não é o caso. A PEC é só para juízes e promotores, a elite do funcionalismo, que já goza dos maiores salários e todos os privilégios imagináveis. A desigualdade entre as carreiras do topo e da base do setor público chega a ser sete vezes maior que no privado. Com o quinquênio, aumentará muito mais.

O Judiciário brasileiro já é um dos mais caros do mundo, custando 1,6% do PIB ao ano, enquanto a média dos países ricos é de 0,3%. Segundo Gabriela Lotta, da FGV, metade dos 11 milhões de servidores brasileiros recebe menos de R$ 3,4 mil por mês. O 1% do topo ganha de R$ 27 mil para cima. O quinquênio beneficiará os 38 mil servidores no pico desta pirâmide, a um custo anual de R$ 42 bilhões. Isso representa metade do déficit primário para este ano. O SUS custa cerca de R$ 140 bilhões, e o Bolsa Família, para 21 milhões de famílias, sai por R$ 160 bilhões.

Barroso reclama que os juízes se sentem desestimulados no meio do caminho, porque a remuneração no fim é muito próxima à do início. Mas isso porque os salários iniciais já são incomparavelmente superiores aos de qualquer outra carreira, pública ou privada. De resto, não há notícia de evasão de juízes – como há em outras carreiras que recebem mal, para que as elites recebam bem. Os juízes costumam comparar seus salários aos de sócios de grandes bancas advocatícias, mas – sem falar que estes profissionais estão expostos aos riscos do mercado – a remuneração média de um advogado é de cerca de R$ 5 mil, dez vezes menos que a média de um juiz. Pergunte aos batalhões de concurseiros se a carreira é “pouco atrativa”.

Quem expôs sem meias palavras as motivações do lobby pela PEC foi o presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo, Torres Garcia, ao Globo: “Não podemos comparar salário de magistrado com salário de trabalhador desqualificado”. Como médicos e professores ganham substancialmente menos que juízes, presume-se, pela lógica do sr. Garcia, que são todos desqualificados. E o sr. Garcia ainda sugere que um magistrado deve ganhar mais porque “o magistrado mal remunerado poderá estar sujeito à corrupção”. Ou seja, a honestidade dos juízes aparentemente tem um preço, que a sociedade está sendo chantageada a pagar. Eis por que é preciso “valorizar o tempo da magistratura” ao custo da desvalorização do salário dos “desqualificados” – aos quais, pela lógica do sr. Garcia, resta sempre a opção de se corromper.

Se o sr. Garcia ganha um ponto pela franqueza, o argumento do sr. Barroso em favor do aumento para evitar os “abusos” do topo da carreira mostra que a lógica já foi mais prestigiada na magistratura. A decência também.

Resumo mantéria feito por IA:

A Proposta de Emenda Constitucional (PEC) aprovada pelo Senado e em trâmite na Câmara concede um adicional de 5% no salário a cada cinco anos para juízes, promotores e ministros dos tribunais de contas. O bônus é limitado a 35% do teto constitucional, o que significa que juízes no topo da carreira não receberão aumentos adicionais. O quinquênio é considerado abusivo em aspectos morais, administrativos e fiscais, incentivando a ineficiência e aumentando a desigualdade e os gastos públicos. O custo anual do quinquênio para os 38 mil servidores no topo da pirâmide seria de R$ 42 bilhões, representando metade do déficit primário para o ano.

Comentário nosso

Extinto na época de Fernando Henrique Cardoso, o quinquênio era mais justo do que agora se propóe, por que era extensivo a todo o funcionalismo público, mas ao mesmo tempo era injusto porque é indiscriminado. Tanto beneficia o bom funcionário como o mau funcionário. Tanto tinha direito a ele o funcionário atencioso, ativo, competente, interessado, como aquele que cruzasse os braços e passasse a vida toda sem fazer nada, sem se interessar por aprender, sem atender bem e aquilo mínimo que se exige de um funcionário público. Na defesa do prividégio para os juízes tem-se o desplante de alegar que “o magistrado mal remunerado poderá estar sujeito à corrupção”. E qual o funcionário público que não é sujeito a corrupção? Do atendente de balcão ao presidente da República? Por este raciocício, secretários, prefeitos, governadores, ministros, presidentes e quantos tivessem poder de gestão, teriam que ter salários astronômicos.  Assim como vereadores, deputados e senadores que têm poder de fiscalização. E os fiscais e auditores? (LGLM)

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About Luiz Gonzaga Lima de Morais

Formado em Jornalismo pelo Universidade Católica de Pernambuco, em 1978, e em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, em 1989. Faz radiojornalismo desde março de 1980, com um programa semanal na Rádio Espinharas FM 97.9 MHz (antiga AM 1400 KHz), na cidade de Patos (PB), a REVISTA DA SEMANA. Manteve, de 2015 a 2017, na TV Sol, canal fechado de televisão na cidade de Patos, que faz parte do conteúdo da televisão por assinatura da Sol TV, o SALA DE CONVERSA, um programa de entrevistas e debates. As entrevistas podem ser vistas no site www.revistadasemana.com, menu SALA DE CONVERSA. Bancário aposentado do Banco do Brasil e Auditor Fiscal do Trabalho aposentado.

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