É inaceitável que Judiciário, protegido pelo corporativismo, mantenha conduta perdulária com o dinheiro do contribuinte
(Opinião da Folha, em 28/05/2024)
As despesas do Brasil com o Poder Judiciário atingiram no ano passado a cifra exorbitante de R$ 132,8 bilhões, um recorde na série histórica documentada pelo Conselho Nacional de Justiça desde 2009.
Excessivo em si, o montante torna-se abusivo quando comparado aos R$ 84 bilhões registrados pelo CNJ no início da compilação —cujos valores anuais são corrigidos. Seria despiciendo pesquisar um ganho de eficiência que pudesse justificar essa expansão da ordem de 60% no orçamento do Judiciário.
Segundo o CNJ, 90% do custo se dá com pagamentos a funcionários, juízes, desembargadores e ministros de cortes superiores. Vale lembrar, os magistrados percebem a maior remuneração média entre 427 ocupações em um ranking publicado pela Folha em 2023.
Por mais que se possa —e se deva— questionar o salário elevado das carreiras judiciais, esse dado explica apenas a menor parte do problema. Enquanto a renda média considerada para a categoria nessa classificação ficou em R$ 24.732, o gasto efetivo com tais profissionais se aproxima dos R$ 70 mil.
Por trás da disparidade entre as duas cifras está o verdadeiro absurdo. São os abonos, auxílios, indenizações, diárias e demais manobras às quais os juízes recorrem para ultrapassar o teto salarial do serviço público, hoje de R$ 44 mil
Dotado de enorme poder de barganha, o setor nunca dá por saciado o espírito perdulário e corporativista. Tome-se a atual discussão sobre a chamada PEC do Quinquênio, uma infame proposta de emenda à Constituição que estabelece acréscimos periódicos aos vencimentos de magistrados e integrantes do Ministério Público.
Ao que parece, o pouco caso com o dinheiro do contribuinte contamina os mais diversos funcionários que, de alguma forma, integram o sistema de Justiça. Em São Paulo, por exemplo, a Assembleia Legislativa acaba de aprovar projeto de lei apresentado pelo governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) que turbina a remuneração dos procuradores do estado.
Em outras situações, a desfaçatez é tamanha que os envolvidos nem se dão o trabalho de prestar contas à sociedade. É o caso da Procuradoria-Geral da República (PGR), que omite informações de diárias e passagens do chefe do órgão, Paulo Gonet, de subprocuradores gerais e de seguranças.
Mesmo o Supremo Tribunal Federal, que sempre esteve na vanguarda da Lei de Acesso à Informação, tirou do ar neste mês seu portal de transparência. Por coincidência, a medida ocorreu após a Folha questionar pagamentos de diárias para viagens internacionais.
O órgão se justificou pela necessidade de atualizar a plataforma de dados. Pode ser. Mas, se a resposta soa a desculpa esfarrapada, isso é por culpa do próprio sistema de Justiça, que dilapida sua credibilidade junto com o dinheiro público.