A ética dos arruaceiros (confira comentário nosso)

By | 07/06/2024 7:42 am

Cenas vergonhosas protagonizadas por desordeiros no Conselho de Ética mostram que essa ralé não respeita nem os adversários nem o voto que recebeu. Ou seja, não respeita a democracia

Imagem ex-librisDiz muito sobre o atual DNA do Congresso Nacional a vergonhosa baderna que transformou o Conselho de Ética da Câmara dos Deputados em uma espécie de “conselho de ética dos arruaceiros”. Na sessão que livrou o deputado André Janones (Avante-MG) da cassação pela prática de “rachadinha” – quando parte do salário de funcionários do gabinete é repassada ao parlamentar –, assistiu-se a muito mais do que a repetição da hipocrisia e da indulgência, às quais congressistas recorrem para encobrir malfeitos de colegas. Antes fosse algo extraordinário, a entrar no anedotário de uma casa de baixo prestígio. O que se viu, ao contrário, foi a realidade exposta de um desvio permanente: o Congresso Nacional, a instituição que deveria ser a sede da democracia, isto é, do respeito ao dissenso, vem sendo vilipendiado por uma ralé que não honra o voto que recebeu.

Além do insulto à inteligência alheia, com a impunidade de um parlamentar sobre quem pairavam todas as evidências, houve empurrões, xingamentos e palavras de baixo calão, e só não se chegou às vias de fato porque os valentões foram contidos.

A molecagem envolveu, primeiro, os deputados Nikolas Ferreira (PL-MG) e o próprio André Janones, depois este contra o deputado Zé do Trovão (PL-SC). Já Guilherme Boulos (PSOL-SP) – que, como relator do caso, parece ter concluído que há “rachadinhas do bem” (cometidas por aliados, como Janones) e “rachadinhas do mal” (a de seus opositores) e recomendou o arquivamento do caso – bateu boca com Pablo Marçal, dublê de coach e picareta bolsonarista que, como muitos ali, ganhou notoriedade na base do ultraje.

Marçal, a propósito, nem deputado é, mas foi levado à sessão por aliados, mesmo com a ordem do presidente da comissão de permitir a presença apenas de parlamentares. Para completar o deboche, Marçal – que, como Boulos, é pré-candidato à Prefeitura de São Paulo – usava um broche de parlamentar, que somente os 513 deputados têm. Toda essa turma converteu a sessão num circo grotesco, ambiente no qual muitos deles se sentem em casa.

É isto um Parlamento? Nem remotamente. É evidente que o Congresso deve ser lugar de debates muitas vezes acirrados sobre os rumos do País, mas há limites para o acirramento, determinados pelo decoro. E o decoro não é uma escolha, mas uma obrigação daqueles que pretendem representar o povo nesse debate: não se trata apenas de respeitar aquele com quem há divergências, mas, sobretudo, de respeitar os votos recebidos pelo adversário. Todos têm legitimidade popular para estar ali e por isso mesmo devem ao menos tolerar uns aos outros.

Nos últimos tempos, porém, o Congresso Nacional parece funcionar movido pelos algoritmos das redes sociais. A transformação digital da discussão política mudou representantes que antes acreditavam em divergência com civilidade, e a tribalização da vida pública deu incentivos para a radicalização e a intolerância, que se tornaram ativos eleitorais. Não raro, usa-se a política como trampolim para a lacração, como se a prática parlamentar requeresse ser modulada pelos padrões de engajamento que se veem nas redes sociais. E o mais grave: agem de maneira a proteger colegas envolvidos em atos duvidosos, como pareceu o caso envolvendo Janones.

E assim o Congresso segue descendo a ladeira da popularidade. Num levantamento do Datafolha de março deste ano, o Congresso só perdeu para redes sociais e partidos políticos na lanterna do ranking de confiança da população, ficando atrás das Forças Armadas, grandes empresas, Poder Judiciário, Ministério Público, Presidência da República, Supremo Tribunal Federal (STF) e imprensa. Consequência inevitável de um Parlamento formado em parte por quem não pretende representar ninguém senão a si mesmo, gente que reduziu a atividade política a uma live contínua, feita para gerar cliques e insultos, sem nada a propor de bom para o País.

Comentário nosso

Cada povo tem a representação que merece. Tem gente que acha bonito quando um deputado ou senador faz uma presepada, pois aí, sim, se sente representado. Os deputados e senadores que estão aí foram eleitos por nós e vão continuar a ser eleitos, por presepadas que façam. Pelé foi execrado quando disse que o povo não sabia votar, mas ele estava coberto de razão. Não é todo mundo que não sabe votar, mas infelizmente ainda é maioria. Basta você ver a qualidade dos nossos vereadores, nossos deputados, nossos senadores, nosssos prefeitos, nossos governadores e nossos presidentes. O eleitor consciente tem sido obrigado a votar no menos ruim, por que o bom candidato é cada dia mais difícil de encontrar.  O que não se pode é deixar de votar. Na dúvida, vote num candidato novo ou procure o menos ruim, senão vamos todos “pro beleléu”. (LGLM)

Comentário

Category: Nacionais

About Luiz Gonzaga Lima de Morais

Formado em Jornalismo pelo Universidade Católica de Pernambuco, em 1978, e em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, em 1989. Faz radiojornalismo desde março de 1980, com um programa semanal na Rádio Espinharas FM 97.9 MHz (antiga AM 1400 KHz), na cidade de Patos (PB), a REVISTA DA SEMANA. Manteve, de 2015 a 2017, na TV Sol, canal fechado de televisão na cidade de Patos, que faz parte do conteúdo da televisão por assinatura da Sol TV, o SALA DE CONVERSA, um programa de entrevistas e debates. As entrevistas podem ser vistas no site www.revistadasemana.com, menu SALA DE CONVERSA. Bancário aposentado do Banco do Brasil e Auditor Fiscal do Trabalho aposentado.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *