Sob pressão, Lula titubeia sobre aborto, delação, Juscelino Filho. E o corte de gastos?

By | 16/06/2024 8:22 am

Quanto mais o governo dá demonstrações de fragilidade, mais frágil fica, mais os adversários e os aliados de ocasião se tornam vorazes e dispostos a lhe impor impor derrotas

(Eliane Cantanhêde, no Estadão, em 15/06/2024
Foto do author Eliane CantanhêdeGoverno fraco é alvo fácil de pressões da Câmara, do Senado, do mercado e da opinião pública, e é isso que acontece no terceiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva, que passou a sofrer derrotas no Congresso e titubeia em questões de grande relevância, como a equiparação do aborto a homicídio, o veto a delações premiadas de presos e o indiciamento do ministro Juscelino Filho pela PF. Como se o governo não tivesse nada a ver com isso. Tem!

Até a reação à devolução da medida provisória sobre PIS e Cofins, para compensar R$ 26 bilhões de perdas com a desoneração da folha de pagamentos, foi tímida, medrosa, com Lula, seus ministros e líderes apoiando a decisão do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, e deixando no sereno o avalista do governo, Fernando Haddad. Devolver projetos do Executivo é quase um tapa na cara. O Planalto ofereceu a outra face, por insegurança, por estar nas mãos do Congresso.

O projeto que pode punir a vítima estuprada com até 20 anos de prisão, enquanto seu estuprador é passível de, no máximo, dez, é classificado como “escândalo”, “desumano”, “fundamentalista”, mas Lula calou, seu líder na Câmara, José Guimarães, disse que “é problema do Parlamento, não do governo”, e os ministros das Mulheres e dos Direitos Humanos, que se manifestaram contra, ficaram falando sozinhos. Nem a ministra da Saúde tomou uma posição. Por que esse torpor geral? Porque a “Bancada da Bíblia” é forte, ameaçadora, e de oposição.

Demonstração de fragilidade do governo faz com que a oposição se anime a impor novas derrotas ao governo
Demonstração de fragilidade do governo faz com que a oposição se anime a impor novas derrotas ao governo Foto: Wilton Júnior/Estadão

A inflexão só veio dois dias depois, no rastro de manifestações (aliás, de mulheres e homens) nas capitais. A primeira-dama Jana condenou o projeto nas redes sociais e o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, chamou a proposta de “uma barbaridade”, avisando, enfim: “Não contem com o governo”. Já no caso do veto às delações premiadas, sem protestos nem gritaria, o governo lavou as mãos.

Quanto mais o governo dá demonstrações de fragilidade, mais frágil fica, mais os adversários e os aliados de ocasião se tornam vorazes, audaciosos e à vontade para lhe impor derrotas. E o governo não para de ir e vir, exibir divergências internas, ceder no que não deveria, abaixar a cabeça para as derrotas. A sensação é de que algo não vai bem.

E não adianta botar a culpa, derrota atrás de derrota, problema atrás de problema, na articulação política. O centro das intempéries do governo vem da falta de maioria no Congresso, especialmente na Câmara, onde a direita é muito maior e mais unida do que a esquerda. Uma articulação governista pode ajudar, mas não faz mágica. E o efeito das emendas não dá mais para o gasto. Nos cálculos da Fazenda, elas somavam R$ 17 bilhões e dispararam para R$ 53 bilhões, mas o Congresso não está satisfeito. Onde isso vai parar?

Vejamos o caso do ministro Juscelino Filho, das Comunicações, que desde o primeiro mês do governo é alvo de reportagens consistentes e detalhadas sobre variados desvios, principalmente as do Estadão: avião da FAB e diárias com dinheiro público para ir a leilões de cavalos de raça em São Paulo, pagar trabalhador do haras da família no Maranhão com verba de seu gabinete de deputado em Brasília, deixar o ministério nas mãos do sogro, que não tem nada a ver com isso…

O ministro acaba de ser indiciado pela Polícia Federal – órgão do Ministério da Justiça, portanto, do governo – por desvio de emendas parlamentares para uma cidade maranhense onde sua irmã é prefeita e usou a grana para construir uma estrada que beneficia uma única família, a deles. Da Europa, Lula desconversou: “o ministro tem o direito de provar que é inocente”. Por que? Juscelino Filho é do União Brasil — partido com três ministros que, vira e mexe, vota contra o governo — e apadrinhado por Davi Alcolumbre, que manda no Senado.

Lula, portanto, está refém de Lira, Alcolumbre, bancada evangélica, União Brasil… E, enquanto o seu time bate cabeça, com Rui Costa, ministros e dirigentes petistas contra Haddad e o corte de gastos, ele faz uma reunião atrás da outra para falar obviedades, dar broncas e prometer assumir a coordenação política. Bla-bla-bla não vai melhorar a percepção sobre o governo, nem a popularidade do presidente.

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About Luiz Gonzaga Lima de Morais

Formado em Jornalismo pelo Universidade Católica de Pernambuco, em 1978, e em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, em 1989. Faz radiojornalismo desde março de 1980, com um programa semanal na Rádio Espinharas FM 97.9 MHz (antiga AM 1400 KHz), na cidade de Patos (PB), a REVISTA DA SEMANA. Manteve, de 2015 a 2017, na TV Sol, canal fechado de televisão na cidade de Patos, que faz parte do conteúdo da televisão por assinatura da Sol TV, o SALA DE CONVERSA, um programa de entrevistas e debates. As entrevistas podem ser vistas no site www.revistadasemana.com, menu SALA DE CONVERSA. Bancário aposentado do Banco do Brasil e Auditor Fiscal do Trabalho aposentado.

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