Oxalá resolução que pune uma ralé que não respeita a democracia moralize a Câmara, mas, se o indecoroso Bolsonaro não foi punido quando deveria, nada indica que seus aprendizes o serão
Em que pese a suposta boa intenção de Lira, a ideia de punir de forma mais ágil uma ralé que não respeita a democracia só ganhou tração porque o Conselho de Ética não tem servido para nada. O órgão deixou de ser o suposto farol moral da Câmara para se tornar um indecente conciliábulo de acomodações políticas, ao sabor das conveniências de ocasião. Por essa razão, é muito improvável que a alteração do Regimento Interno, na prática, vá conter os ânimos de brucutus que lutam para desmoralizar a política.
Isso porque o projeto de resolução inicial foi bastante esvaziado após a pressão que Lira sofreu de um grupo de deputados insatisfeitos com a concentração de poder na Mesa. Ao fim e ao cabo, o Conselho de Ética e o plenário da Câmara continuam senhores do destino de qualquer deputado no que concerne ao mandato. Comunicado da decisão da Mesa, o Conselho de Ética deverá deliberar sobre a suspensão cautelar do acusado no prazo de até três dias, com possibilidade de o deputado suspenso recorrer ao plenário, que apreciará o caso na sessão imediatamente subsequente.
O problema é que o peso dos fatos tem quase nenhuma importância para o colegiado. O Conselho de Ética, não de hoje, existe apenas no plano formal, pois é altamente suscetível a acordos de bastidor entre os partidos que visam à impunidade de seus deputados – um acerto em que todos ganham, menos a sociedade. O Estadão mostrou que o Conselho de Ética julgou 29 representações por quebra de decoro entre 2023 e 2024. Algumas decerto eram descabidas, mas todas foram arquivadas. Como disse a cientista política Maria Carolina Lopes, “os custos de estar em conflito são mais baixos” para os indecorosos do que os ganhos que eles obtêm exercendo sua truculência.
Diante dessa triste realidade, ao presidente do Conselho de Ética, Leur Lomanto Júnior (União-BA), não restou mais que um misto de lamento e advertência. A este jornal, Leur advertiu que, do jeito que os confrontos físicos têm escalado, “vai chegar ao ponto que, daqui a pouco, pode acontecer um crime, alguém atirar em algum parlamentar”. O Conselho de Ética vai esperar que haja um assassinato nas dependências da Câmara para decidir cassar um deputado violento?
Oxalá a resolução surta efeito, pois no Congresso tem de prevalecer um pacto civilizatório para que as lides políticas sejam travadas com respeito mútuo, no mínimo. É improvável, porém, que a possibilidade de sanção mais célere contenha o barbarismo de uma nova classe de deputados que chegaram a Brasília sem saber fazer política de outra forma que não o recurso à violência.
Impulsionados pelas redes sociais – onde, como se sabe, o respeito às divergências não tem lugar –, esses mandatários veem na truculência um meio legítimo de ação política, pois julgam ter ganhado a eleição graças exatamente ao comportamento indecoroso. Por isso, sentem-se incentivados a desrespeitar tanto os adversários como as instituições, alimentando um círculo vicioso de degradação da representação popular.
O histórico de leniência da Câmara com os abusos de seus membros também não inspira esperança. Basta lembrar que os que hoje ofendem e agridem adversários nada mais fazem do que emular Jair Bolsonaro, o pior vândalo político que este país conheceu desde a redemocratização. Durante quase 30 anos, Bolsonaro não foi punido com a cassação por seus reiterados atentados contra o decoro parlamentar e o regime democrático. Deu no que deu.