Querem abortar o aborto

By | 02/07/2024 1:10 pm

Quantos antiabortistas já enviaram mulheres ou filhas a clínicas clandestinas?

(Frei Betto, Escritor e educador popular, é autor de “Jesus Rebelde” (Vozes), entre outros livros, na Folha, em 01/07/2024)

A missão dos legisladores (deputados e senadores) não é impor moral à sociedade, é buscar o bem comum. Somos uma sociedade plural e laica, não confessional. Se defendo a descriminalização da prostituição, como defendo a do aborto, não significa que aprovo a prostituição, pois a considero uma degeneração da mulher. As prostitutas, porém, têm o direito de serem protegidas por leis, como defendia Gabriela Leite, líder das meretrizes brasileiras.

Quantos antiabortistas já enviaram suas mulheres ou filhas, surpreendidas por uma gravidez indesejada, a clínicas clandestinas de aborto ou a países que admitem a interrupção da gravidez? Só terapeutas e ministros de confissões religiosas, confidentes de pessoas aflitas, podem avaliar.

O artigo 128 do Código Penal admite o aborto “se a gravidez resulta de estupro”. O estupro é crime previsto no artigo 213 do mesmo código. Crime hediondo, pois impõe à vítima severas sequelas físicas e emocionais.

G., 11 anos, da etnia macuxi, foi violentada aos 10 anos pelo tio e fez um aborto legal na maternidade de Boa Vista, que hoje não faz mais o procedimento – Gabriela Biló/Folhapress

Como exigir da mulher estuprada não repudiar o feto fruto de uma agressão física e moral? Gostaria de ver um parlamentar antiabortista exigir de sua filha, violentada por um assaltante, preservar a gravidez e acolher o filho. Quem sabe ele, munido de pruridos morais, vá à prisão solicitar ao estuprador reconhecer a criança como filho e imprimir o nome paterno nos documentos de identidade…

É atitude farisaica a intransigente defesa da vida embrionária e a omissão frente a milhões de crianças nascidas na miséria, condenadas à fome e ao desamparo.

A defesa da vida não pode ser confundida com a defesa do processo embrionário desde o seu início. Do ponto de vista científico, é questão aberta quando de fato há vida humana.

Como escreve o teólogo Jesús Martínez Gordo, a questão deve se basear “no reconhecimento da existência de situações-limite e conflitos de direitos em que é impossível aplicar dedutivamente as normas morais: a única coisa que resta, talvez, é aceitar o mal menor, como pode ser visto nos casos de perigo para a vida da mãe, má-formação do feto e gravidez por estupro. Entendido dessa forma, o aborto não é mais um direito, mas sim um recurso desesperado diante do instinto de sobrevivência. Em suma, o mal menor que, em nome da solidariedade, do respeito e do acompanhamento a quem passa por situações tão dramáticas, está acima de qualquer imposição extrínseca”.

Na tradição cristã convivem diferentes teorias, a da “animação sucessiva”, defendida por meu confrade São Tomás de Aquino, e a da “animação simultânea”, por Santo Alberto Magno.

A biologia comprova que o embrião requer tempo e espaço para desenvolver seu sistema neuroendócrino. Genes não são miniaturas de pessoas. A biologia molecular demonstra que a informação extragenética é tão importante quanto a informação genética, e a constituição da substantividade humana ocorre quando há organogênese do embrião.

O machismo e a misoginia predominantes no Congresso se refletem inclusive na proposta de fazer o peso da sentença condenatória cair mais forte sobre a mulher violada que sobre o criminoso tarado.

Nosso Congresso deveria estar discutindo como introduzir a educação sexual em todos os níveis escolares, bem como o planejamento familiar.

Descriminalizar o aborto não significa incentivá-lo. Não devemos admitir que nossos parlamentares estuprem a Constituição e violentem um direito adquirido.

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About Luiz Gonzaga Lima de Morais

Formado em Jornalismo pelo Universidade Católica de Pernambuco, em 1978, e em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, em 1989. Faz radiojornalismo desde março de 1980, com um programa semanal na Rádio Espinharas FM 97.9 MHz (antiga AM 1400 KHz), na cidade de Patos (PB), a REVISTA DA SEMANA. Manteve, de 2015 a 2017, na TV Sol, canal fechado de televisão na cidade de Patos, que faz parte do conteúdo da televisão por assinatura da Sol TV, o SALA DE CONVERSA, um programa de entrevistas e debates. As entrevistas podem ser vistas no site www.revistadasemana.com, menu SALA DE CONVERSA. Bancário aposentado do Banco do Brasil e Auditor Fiscal do Trabalho aposentado.

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