Uma praga se alastra pelo Brasil e atinge indistintamente as polícias: a invasão da política partidária
(Marcelo Godoy, no Estadão, em 30/07/2024)
A PM tinha como comandante Francisco Profício: ele concordou com a decisão de recolher o batalhão inteiro. A falta que fazem oficiais como eles nas polícias ajuda a explicar a atual situação da segurança pública no País.
Perine era discreto. E inteligente. Adorava pescar no Pantanal. Morava a maior parte do tempo na sede da corregedoria e – conta um antigo subordinado – não dispensava uma espingarda calibre 12 nas suas andanças. Profício organizou o Centro de Inteligência da PM. Eram avessos à política no quartel.
Recentemente, o coronel Fábio do Amaral, o corregedor da PM, publicou uma mensagem em grupo de WhatsApp sobre Guilherme Boulos, candidato do PSOL à Prefeitura de São Paulo: “Ele não!”. Profício e Perine tinham alergia à esquerda, mas nunca fizeram política partidária. É o corregedor quem deve coibir esses casos. O que fará se um sargento publicar: “Nunes não!”? O prefeito é o candidato do governador Tarcísio. Como punir um e esquecer o coronel?
Uma praga se alastra pelo País e atinge indistintamente as polícias: a invasão da política partidária. Nos Estados governados pelo PT a situação não é diferente. A Bahia de Rui Costa conheceu uma explosão de afagos à PM – uma major foi a candidata petista a prefeito de Salvador. No Ceará de Camilo Santana havia 189 oficiais emprestados para outros órgãos em 2022. E isso enquanto a letalidade policial explode nos Estados.
O coronel José Vicente da Silva lembra um sintoma desse mal: as promoções por merecimento privilegiam oficiais distantes do policiamento territorial. Apenas 20% dos promovidos são de homens dessas unidades. Há oficiais que saem da academia e vão trabalhar em gabinetes de apadrinhados. E por lá ficam, ascendendo na hierarquia.
E, assim, a disciplina vai para o beleléu. E com ela o profissionalismo e a proteção da sociedade, substituídos pela defesa de interesses pessoais. Quando a busca de votos faz o comando proteger PMs acusados de assassinato, achando que o crime organizado se combate à bala, são as facções que comemoram.
Os chefões do PCC não estão mais nas favelas, mas em coberturas de luxo e dirigem Lamborghini e Ferrari. A turma do bangue-bangue da PM não sabe? Houve um tempo em que o corregedor prendia até coronel. Quando falta o exemplo, a tropa se espelha em quem?
Comentário nosso
Não tem nada a ver, mas Marcelo Godoy é um jornalista investigativo autor de dois livros importantes sobre a atuação dos militares durnte a ditadura e até muito depois. O mais recente está sendo lançado amanhã em São Paulo. Os dois livros têm preço salgado e ainda não tive coragem de comprar. O que vai ser lançado amanha teve a seguinte resenha no Amazon:
“Sessenta anos depois do golpe, os segredos e mentiras que marcaram a Ditadura Militar continuam a assombrar a democracia brasileira. Revelar os esqueletos escondidos nos porões é uma missão que Marcelo Godoy vem cumprindo com talento, coragem e precisão. Em 2014, publicou o clássico “A Casa da Vovó: uma biografia do DOI-Codi”, com relatos inéditos de policiais e militares que atuaram nos centros de torturas e assassinatos do regime.
Dez anos depois, ele volta com uma história ainda mais surpreendente. “Cachorros” descreve a saga do agente Vinícius, nome de guerra de Severino Deodoro de Mello, militante histórico do Partido Comunista Brasileiro (PCB), que se tornou o mais importante espião cooptado pela inteligência militar nos anos de chumbo. Mello contribuiu para dezenas de sequestros, mortes, prisões e desaparecimentos que ajudaram a neutralizar o PCB nos anos 1970.
Dessa forma, os militares pretendiam controlar o processo de abertura democrática sem a ameaça de um partido comunista organizado. Godoy junta neste livro o rigor do historiador, respaldado em documentos e pesquisas feitas em arquivos de cinco países, com a capacidade jornalística de narrar histórias envolventes, que ainda não foram contadas.
Bruno Paes Manso” (LGLM)