Partido e presidente adotam negacionismo e oportunismo ideológico que parecem com bolsonarismo de sinal trocado
(Marcos Augusto Gonçalves, na Folha, em 31/07/2024)
A apressada e irresponsável nota de apoio do PT à farsa eleitoral venezuelana é um dos episódios mais vergonhosos da história do partido e da esquerda brasileira. Considerar que o resultado do pleito foi “democrático e soberano” é de um cinismo absoluto. Boa parte das lideranças do PT parece ver o que chama de “democracia burguesa” como um trampolim para regimes autocráticos como os da Venezuela, China e Rússia –na falta da saudosa ditadura do proletariado.
A eleição foi uma trapaça desde o início, quando a principal candidata de oposição, María Corina Machado, viu-se impedida de concorrer. Bastaria essa decisão arbitrária para caracterizar o processo como não democrático.
O despautério que foi a manifestação petista contou, na grande moldura, com o endosso do presidente Luiz Inácio Lula da Silva que, pelo menos como chefe de Estado do Brasil, pediu mais detalhes sobre as apurações para conceder sua bênção ao ditador. Deu, porém, declarações ensaboadas em que se esforçou para normalizar tudo e livrar a cara de Maduro.
Desde 2013, quando chegou ao poder, o sucessor de Chavez tem lançado mão de expedientes autocráticos e de casuísmos para se manter no cargo. Governa por decreto, intervém em instituições, censura a imprensa, determina prisões políticas e tortura e mata opositores, com o apoio de suas milícias.
O PT entra em colisão com as forças progressistas do continente e dá um abraço no bolsonarismo –trata-se, afinal, de um bolsonarismo com sinal trocado– ao chancelar um governo antidemocrático e seu processo eleitoral esdrúxulo, que veta candidaturas e impede a livre manifestação do povo. Bolsonaro adoraria ter uma nota boazinha como essa de um país com o peso do Brasil.
O fato de Maduro ser considerado de esquerda ampara a deplorável manifestação da Executiva Nacional petista, que nem sequer pediu transparência na divulgação da contagem de votos. Mas será Maduro mesmo de esquerda? Que esquerda? Mais se mostra um populista proto-fascista, num caso típico em que os extremos se tocam.
Em sua fundação, em 1980, o Partido dos Trabalhadores abrigou um amplo debate no qual uma nova esquerda democrática teve papel fundamental. Em que pese a convivência de diferentes vertentes, tratava-se em linhas gerais de um partido que nascia mantendo certa distância do stalinismo e do populismo varguista para lutar por socialismo e justiça social dentro das regras da democracia.
O PT cresceu, transformou-se em máquina eleitoral, escorregou na corrupção, mas se manteve como referência de defesa dos interesses populares num sistema político povoado por siglas oportunistas e fisiológicas. Suas posições, contudo, em diversos aspectos preservaram visões retrógradas, rígidas e esquemáticas do carcomido pensamento de esquerda de outros tempos.
O antiamericanismo é um desses traços característicos, que encontra em Celso Amorim um praticante incorrigível. Nem sempre se sabe ao certo os casos em que Lula está de acordo com o partido e aqueles em que não está ou finge não estar –ou finge estar.
No caso da Venezuela está claro que as afinidades entre Lula, seu partido e o assessor Celso Amorin são plenas. Estão todos em defesa do ditador. Um vexame histórico.