A Operação Salus et Dignitas (saúde e dignidade, em latim) levou às ruas um grande contingente de policiais, mas não sem antes realizar um profundo trabalho de investigação. Pela primeira vez, o Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), sob a chefia do promotor Lincoln Gakiya, entrou no enfrentamento da facção na Cracolândia e, acertadamente, tirou o foco dos usuários de drogas e privilegiou a cooperação entre instituições de Estado. Este talvez seja o maior diferencial entre a ação deflagrada há poucos dias e operações passadas, quase todas orientadas por tentativa e erro.
O chamado “fluxo” da Cracolândia, que perambula pelo centro, é apenas a face mais visível de uma teia criminosa. Ao sufocar as atividades econômicas ilícitas que mantêm aberta aquela chaga no coração de São Paulo, as autoridades, enfim, parecem trilhar o caminho certo no combate ao crime organizado. Houve intercâmbio de informações que envolveu os Ministérios Públicos Estadual, Federal e do Trabalho, a Secretaria da Segurança, as Receitas Federal e Estadual, o Ministério do Trabalho e Emprego e até a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), que ajudou a detectar os equipamentos usados pelos bandidos para interceptar a comunicação da polícia.
O ecossistema do crime inclui tráfico de drogas, lavagem de dinheiro, corrupção, comércio ilegal de produtos ilícitos, comércio de armas, exploração sexual, servidão – com exploração até de trabalho infantil –, imigração ilegal e crimes ambientais. Ao fim, a ação com 1,3 mil agentes das Polícias Militar, Civil, Rodoviária Federal e Federal, em mais uma prova do êxito do esforço conjunto, prendeu três integrantes do PCC e três milicianos.
Tantos crimes perturbam, mas não surpreendem. Como escreveram os promotores, “um local sem a presença do Estado se torna condescendente” com práticas ilícitas. E foi justamente desse tipo de ausência, seguida de negação, que o PCC nasceu no sistema carcerário na década de 1990 e, depois, ganhou as ruas, para formar uma poderosa organização financeira e bélica que pratica crimes mundo afora. Agora, a inépcia do Estado permitiu que oportunistas fardados passassem a se organizar como máfia. Um grupo com mais de 20 guardas-civis, 3 policiais militares e 1 investigador extorquiu mais de R$ 4 milhões de comerciantes em troca de “proteção” na Cracolândia.
O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, reconheceu que, quando há “um problema generalizado, de algum tempo”, é possível haver “situações de corrupção, de prevaricação e de falha no exercício do poder de polícia”. Já o prefeito Ricardo Nunes, que defende uma Guarda Civil forte como um dos motes da campanha à reeleição, correu a dizer que “desconhece milícia” na cidade. De fato, até agora não havia notícia de milícias como as do Rio de Janeiro, mas, como mostra a história, não parece prudente minimizar os riscos.
Ao revelar o ecossistema do crime, a Operação Salus et Dignitas evidenciou que o Estado precisa retomar o território da Cracolândia. E o caminho para isso é a manutenção de ações coordenadas de autoridades de todas as esferas de poder, com investigações que envolvem inteligência e colaboração. Como sugere o nome da força-tarefa, São Paulo demanda saúde e dignidade, além de segurança. Essa força-tarefa dá a esperança de que algo já tenha mudado.
Comentário nosso – A descoberta desta milícia na Cracolândia paulista, me sugeriu uma ideia. Que pode ser aplicada pelo Brasil afora, principalmente no combate ao tráfico de drogas. Que tal Ministério Público, Polícia Federal e Polícia Rodoviária fazerem um trabalho de investigação para descobrir, por que todo mundo sabe onde existem as “bocas de fumo” e só as Polícias Civis, Guardas Municipais e Polícias Militares não sabem e, só eventualmente, descobrem uma? Qualquer um que não tenha cara de policial, pode chegar em qualquer rua e perguntar onde tem uma “boca” e logo vai aparecer quem lhe diga. Qualquer policial que tenha um parente em determinada rua vai saber onde ficam as “bocas”. Por que é que é tão dificil para as polícias descobrirem? E não adianta ligarem para os telefones da polícia e informarem. Eles nunca vão lá. Experiência própria! (LGLM)