Freio de arrumação nas emendas parlamentares

By | 16/08/2024 7:25 am
Imagem ex-librisO Supremo Tribunal Federal (STF), por liminar concedida pelo ministro Flávio Dino, suspendeu as emendas parlamentares impositivas até que sejam criados parâmetros para garantir a sua “eficiência, transparência e rastreabilidade”. A única reprimenda que se pode fazer à decisão é que é tardia. Mas era necessária, e a reação figadal da brigada fisiológica no Congresso só corrobora sua pertinência.

Parlamentares irritados afirmam que eles conhecem melhor as necessidades das populações locais, e sua participação na alocação dos recursos públicos é um instrumento democrático empregado em todo o mundo. É uma meia-verdade, incapaz de disfarçar as perversões por trás da dilapidação do Orçamento.

De fato, emendas existem em todo o mundo, e a Constituição as previu justamente para que os congressistas orientassem recursos às necessidades locais. Mas no Brasil seu volume cresceu a níveis exorbitantes. Um levantamento do Instituto Millenium mostrou que em 29 países da OCDE, um fórum das democracias ricas, os montantes na maioria são inferiores a 0,01% das despesas discricionárias e só em três eles superam 2%. No Brasil a dotação saltou de 4% em 2014 para 24% hoje.

Mais aberrante é a proliferação de modalidades e suas distorções. Até 2015, a execução de emendas individuais e de bancada dependia da disponibilidade de recursos. Então se estabeleceram cotas obrigatórias. Em 2019 foram criadas as “Transferências Especiais” (“emendas Pix” ou “cheque em branco”) que permitem repasses a Estados e municípios para que seus governantes gastem praticamente como bem entenderem. O maior retrocesso veio em 2020, quando a “Emenda do Relator” – que serviu aos “anões do Orçamento”, em 1993 – foi exumada e anabolizada para permitir que o governo distribuísse recursos a aliados sem qualquer transparência. O chamado “orçamento secreto” logrou a proeza de violar todos os princípios constitucionais da administração pública – legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência – e não à toa foi declarado inconstitucional pelo STF. Ainda assim, os parlamentares, com a conivência do governo, têm buscado formas de maquiá-lo.

Emendas parlamentares deveriam preservar a qualidade do Orçamento, observar uma lógica coletiva e ser objeto de escrutínio popular. Mas o desmonte dos mecanismos de distribuição transparente, técnica e equitativa acarreta a degradação das políticas públicas, porque os recursos são pulverizados sem planejamento; pressões fiscais, porque são drenados das políticas setoriais dos ministérios; riscos de corrupção, porque não são fiscalizados; e distorções da competição democrática, porque irrigam os currais eleitorais dos parlamentares. São perversões flagrantes no caso das “emendas Pix”, mas em maior ou menor grau valem para as outras.

O Congresso reagiu à liminar cortando verbas do Judiciário, inflamando ameaças de impeachment e protestando contra o ativismo judicial. A invasão de competências por parte do STF é de fato um problema crônico e cada vez mais agudo. Mas não foi o caso desta vez. A Corte não está legislando nem interferindo nas prerrogativas do Legislativo de ingerência sobre o Orçamento. Está só exigindo que ela obedeça às exigências constitucionais. A resposta do Congresso, puramente retaliatória e nada propositiva, só revela o nível de degradação a que se chegou no trato do Orçamento.

Assim como o voto é a base da democracia, o Orçamento é a sua culminação. É através dele que os recursos do contribuinte são materializados em serviços para os cidadãos. A negligência dos representantes eleitos em promover reformas tem comprometido cada vez mais as despesas com custeio de servidores e benefícios previdenciários, enquanto a parcela cada vez mais comprimida dos gastos discricionários é pulverizada sem transparência. O Orçamento caminha para o pior dos dois mundos: gastos engessados e investimentos arbitrários. Arrumar a casa é não só uma exigência da realidade, mas da Constituição. Ao impor ao Legislativo um freio de arrumação, a Corte nada mais fez que cumprir o seu papel de guardiã da ordem constitucional.

Comentário

Category: Nacionais

About Luiz Gonzaga Lima de Morais

Formado em Jornalismo pelo Universidade Católica de Pernambuco, em 1978, e em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, em 1989. Faz radiojornalismo desde março de 1980, com um programa semanal na Rádio Espinharas FM 97.9 MHz (antiga AM 1400 KHz), na cidade de Patos (PB), a REVISTA DA SEMANA. Manteve, de 2015 a 2017, na TV Sol, canal fechado de televisão na cidade de Patos, que faz parte do conteúdo da televisão por assinatura da Sol TV, o SALA DE CONVERSA, um programa de entrevistas e debates. As entrevistas podem ser vistas no site www.revistadasemana.com, menu SALA DE CONVERSA. Bancário aposentado do Banco do Brasil e Auditor Fiscal do Trabalho aposentado.

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