STF julga bloqueio de emendas; saiba quais cidades mais receberam recursos e serão auditadas (confira comentário nosso)

By | 16/08/2024 7:11 am

Roraima, Amapá e Tocantins são os Estados com mais municípios que devem ser auditados pela CGU. Em vários deles, transparência é precária e predominam as ‘emendas Pix’, sem finalidade definida; parlamentares que apadrinharam o envido de dinheiro dizem que beneficiam locais mais pobres

 

(André Shalders, no Estadão, em 16/08/2024)

 

O Supremo Tribunal Federal começa a julgar nesta sexta-feira, 15, o destino das emendas parlamentares ao Orçamento. Por decisão do ministro Flávio Dino, foram bloqueados todos os repasses de dinheiro público patrocinados por senadores e deputados e que não tinham transparência. No começo do mês, o mesmo Dino determinou à Controladoria Geral da União (CGU) que auditasse os municípios que mais receberam emendas parlamentares, por habitante, nos anos de 2020 a 2023.

A liberação do dinheiro indicado por meio de emendas parlamentares está no centro do mais recente embate entre Judiciário, Congresso e Executivo. No dia 1º de agosto, o ministro Dino determinou que as chamadas emendas Pix só sejam pagas após o Congresso e o Executivo tomarem providências para dar transparência ao uso dos recursos. Essa modalidade de emenda pode ser usada para qualquer finalidade, exceto pagamento de pessoal, e não deixa rastros em ferramentas de acompanhamento de convênios da União.

Nesta semana, Dino também bloqueou o pagamento de emendas consideradas impositivas, ou seja, modalidade que obrigado o governo federal a liberar o dinheiro destinado a redutos políticos de deputados e senadores. Em recurso enviado ao STF, o Parlamento sustenta que Flávio Dino “extrapolou” (veja mais detalhes abaixo).

Municípios campeões de emendas e seus padrinhos

Cruzando dados orçamentários e do Censo de 2022, o Estadão chegou à lista de municípios que deverão ser analisados pela CGU. Concentradas em Roraima, no Amapá e em Tocantins, as cidades são base eleitoral do ex-presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP); do ministro da Agricultura, Carlos Fávaro; e dos senadores Mecias de Jesus (Republicanos-RR) e Chico Rodrigues (PSB-RR), entre outros.

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Flávio Dino realizou audiência de conciliação para discutir o orçamento secreto
O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Flávio Dino realizou audiência de conciliação para discutir o orçamento secreto Foto: WILTON JUNIOR/Estadão

São Luiz (RR) é uma cidade de apenas 7,3 mil habitantes, a quatro horas de carro da capital de Roraima, Boa Vista. De 2020 a 2023, a prefeitura local recebeu R$ 108 milhões em emendas parlamentares de todos os tipos. É como se cada morador tivesse sido agraciado com R$ 14,8 mil – o maior valor per capita do País no período. No entanto, é difícil saber como a cidade usou a bonança financeira. No Portal da Transparência da prefeitura não há qualquer informação sobre quaisquer obras, despesas ou convênios firmados este ano.

Para dificultar ainda mais qualquer fiscalização, 76% do dinheiro recebido pela prefeitura de São Luiz foi enviado pelo Congresso usando as “emendas Pix”.

Quem mais mandou dinheiro para São Luiz no período foi o ex-senador Telmário Mota (Solidariedade-RR), preso desde outubro passado sob a suspeita de ser o mandante do assassinato de sua ex-mulher. Ao longo dos quatro anos, ele mandou R$ 26,8 mihões para a prefeitura. A reportagem do Estadão procurou a prefeitura de São Luiz, mas não houve resposta.

Ao bloquear o pagamento das emendas parlamentares na quarta-feira, 14, Dino atendeu a uma ação apresentada pelo PSOL. A decisão atingiu as emendas individuais e as emendas das bancadas estaduais. Com isso, travou a execução de todas as emendas parlamentares: as de comissão já estavam bloqueadas desde a primeira decisão do ministro, no começo do mês. Nesta quinta, 15, Câmara, Senado e mais 11 partidos apresentaram ao STF um pedido para que libere a execução das emendas individuais e de bancada.

O tema começará a ser julgado pelos onze ministros do STF nesta sexta-feira, 16, por meio do chamado Plenário Virtual. Nessa modalidade, os ministros depositam seus votos por escrito em uma página no site do STF, sem debate ao vivo. A sessão vai até as 23h59. Estão em julgamento duas decisões de Dino determinando medidas de transparência para as “emendas Pix” e a desta quarta, que suspendeu as emendas impositivas. A decisão do dia 1º de agosto sobre as emendas de comissão e sobre o antigo orçamento secreto não está em questão.

A auditoria foi pedida por Dino após uma audiência de conciliação entre representantes do governo, do Congresso e do Ministério Público, além de ONGs que trabalham no tema da transparência pública, no começo deste mês. A reunião tinha por objetivo dar cumprimento à decisão de 2022 do STF que declarou inconstitucional o orçamento secreto, esquema revelado pelo Estadão. Na decisão, Dino determinou à CGU que levante dados sobre as dez cidades “mais beneficiados por emendas parlamentares/nº. de habitantes, nos anos de 2020 a 2023 (ano a ano)”. A controladoria deveria buscar por informações como o andamento das obras feitas com a verba e os mecanismos de “rastreabilidade, comparabilidade e publicidade” adotados pelas prefeituras.

Nesses 4 anos mencionados por Dino, trinta municípios encabeçam os rankings de maiores recebedores per capita de emendas, de todos os tipos (comissão, relator, individual e bancada). O número não chega a 40 porque alguns dos municípios se repetem ao longo dos anos. São Luiz, por exemplo, lidera a lista nos anos de 2020, 2021 e 2023. Os municípios estão distribuídos por 12 Estados, mas Amapá, Roraima e Tocantins são os mais presentes. O Estado de Alagoas, do presidente da Câmara Arthur Lira (PP), não tem nenhum representante no grupo, embora a capital Maceió tenha sido a sexta prefeitura que mais recebeu emendas em todo o País no período (R$ 327,7 milhões).

As 30 cidades a serem auditadas são o lar de 182.617 brasileiros, segundo o último Censo. De 2020 a 2023, as prefeituras receberam R$ 1,09 bilhão em emendas – inclusive R$ 258,7 milhões em emendas de relator, base do esquema do orçamento secreto, revelado pelo Estadão. É como se cada morador tivesse ganho quase R$ 6 mil. Dentro do conjunto há grandes disparidades. Os R$ 14,8 mil por habitante de São Luiz são mais que o dobro do valor per capita da última colocada no “top 10″, Mucajaí (RR), onde cada morador recebeu o equivalente a R$ 6,2 mil. Mesmo assim, é muito mais que a lanterna do ranking nacional, Santana de Parnaíba (SP), com só R$ 16,76 por habitante.

Pelo menos 142 políticos mandaram emendas para estes 30 municípios. A gama é eclética e abrange gente com e sem mandato, de diversos partidos e Estados, além de comissões e bancadas estaduais. Na lista figuram políticos de destaque, como o ministro do TCU e ex-deputado Jhonatan de Jesus (R$ 46 mihões); o pai dele, o senador Mecias de Jesus, atual líder do Republicanos no Senado (R$ 24,7 milhões); o ministro da Agricultura, Carlos Fávaro (R$ 29,7 milhões); e o ex-presidente do Senado, Davi Alcolumbre (R$ 24,4 mi), entre outros.

“A maior prioridade do meu mandato é trabalhar para levar desenvolvimento aos 16 municípios amapaenses. Eu seguirei trabalhando para assegurar cada vez mais investimentos e benefícios sociais e econômicos para o meu estado, pois nos rincões da Amazônia vivem brasileiros que também necessitam de infraestrutura, saúde e educação”, disse Davi Alcolumbre ao Estadão, em nota.

“Uma das atribuições de um senador é buscar recursos para o seu estado. Infelizmente, os Estados da região Norte, como Roraima, estão entre (…) os menores IDHs do país. Uma forma de corrigir essa deficiência é o aumento no volume de investimentos nas cidades do Estado, sobretudo no interior”, disse o senador Mecias de Jesus, por meio de nota. “É importante destacar que o senador apenas destina os recursos. A aplicação e a licitação são realizadas pelos municípios, e a fiscalização é de competência do Tribunal de Contas da União (TCU), dos Tribunais de Contas Estaduais (TCE) e da Controladoria Geral da União (CGU)”, diz o texto. O ministro Carlos Fávaro também foi procurado, mas não respondeu.
A prefeitura de São Luiz (RR): município recebeu mais de R$ 100 milhões, mas é impossível encontrar informações básicas sobre contratos e licitações
A prefeitura de São Luiz (RR): município recebeu mais de R$ 100 milhões, mas é impossível encontrar informações básicas sobre contratos e licitações Foto: Google Streetview / reprodução

A lista inclui ainda Telmário Mota (R$ 42,1 milhões) e o senador Chico Rodrigues (PSB-RR), com R$ 26,9 milhões enviados. Rodrigues ficou conhecido nacionalmente em outubro de 2020, quando foi flagrado por agentes da Polícia Federal com R$ 33 mil em dinheiro vivo escondido na cueca. O senador sempre negou irregularidades no caso. Procurado pela reportagem, não respondeu. O Estadão não conseguiu contatar Telmário Mota.

O único ano em que São Luiz (RR) não liderou o ranking foi em 2022. Na ocasião, a prefeitura que mais recebeu emendas por habitante foi a pequena Lavandeira (TO), lugarejo de apenas 1.626 moradores, localizada a meio caminho entre Brasília (DF) e a capital de Tocantins, Palmas. A cidade recebeu R$ 3,1 milhões em emendas.

A prefeitura de Tartarugalzinho (AP), cidade de 12,9 mil habitantes a três horas de carro da capital Macapá, recebeu R$ 100,4 milhões em emendas de 2020 a 2023, e o dinheiro rendeu frutos. No começo de julho, a prefeitura inaugurou o novo Estádio Municipal Nelson da Costa, com direito a apresentação de escola de samba e “feijoada e churrasco liberados”. Conhecida localmente como “o pisadeiro”, a arena teve a presença do ministro da Integração e Desenvolvimento Regional, Waldez Góes, além dos senadores Davi Alcolumbre e Randolfe Rodrigues (PT-AP), entre outras autoridades.

“Os recursos públicos, provenientes das emendas parlamentares, em grande parte, estão sendo distribuídos politicamente, sem transparência e rastreabilidade, com base em interesses pessoais e partidários, privilegiando uns em detrimento de outros, sem critérios técnicos e parâmetros sócio econômicos, distorcendo as políticas públicas, em um claro desvio do princípio federativo”, diz o economista Gil Castello Branco, fundador da ONG Contas Abertas. A entidade foi uma das que pediu ao STF, na condição de amiga da Corte, que reabrisse o caso sobre o Orçamento Secreto.

O levantamento desta reportagem usou as ordens bancárias (pagamentos) feitos às prefeituras e fundos municipais de saúde advindos de emendas de todos os tipos de 2020 a 2023, incluindo restos a pagar quitados nestes anos. O montante, R$ 73,2 bilhões, corresponde a dois terços (66%) de todas as emendas pagas pela União neste período (R$ 110,9 bilhões). O restante foi pago a governos estaduais (16,1%); empresas privadas (8,8%); ONGs (4,2%); e outros (4,4%).

Disputa acirrada pelo Orçamento

Nas últimas semanas, tanto Flávio Dino quanto outros atores têm se movimentado para restringir o poder do Congresso sobre o orçamento, exercido por meio das emendas parlamentares – o Legislativo, por sua vez, reage e ameaça retaliar o governo Lula (PT).

Além de determinar medidas para acabar com a prática do orçamento secreto, Dino também decidiu favoravelmente no começo do mês a uma ação apresentada pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), com determinações que buscam dar transparência às “emendas Pix”. No mesmo despacho, suspendeu o pagamento dessas emendas até que as medidas de transparência sejam efetivadas. Na quinta-feira, 8, atendendo a um pedido do procurador-geral da República, Paulo Gonet, Dino manteve a suspensão, mas liberou as transferências para obras já em andamento.

“Não pode haver um mecanismo de transferências de recursos tão vultosos como as ‘emendas Pix’ sem controle, transparência e governança previamente estabelecidos que permitam uma melhor fiscalização”, diz a pesquisadora Gabriella da Costa, da ONG Transparência Internacional.

Na terça, 6, uma comissão técnica formada por representantes do Executivo, do Congresso e do Ministério Público se reuniu e criou um cronograma com ações para dar transparência às verbas do orçamento secreto e das emendas de Comissão – inicialmente, a ideia é de que um painel com as informações esteja no ar até março do ano que vem. No dia seguinte, quarta-feira, congressistas insatisfeitos com as decisões de Dino ameaçaram retaliar o governo durante a votação do Orçamento de 2025.

Comentário nosso – Os deputados e senadores estão “tiririca” com esta suspensão das emendas d0 orçamento secreto. Pricipalmente porque a suspensão foi nas vésperas das eleições, quando os prefeitos precisam urgentemente deste dinheiro para “agradarem” aos seus eleitores. Nada temos contra o fato de parlamentares direcionarem suas emendas parlamentares para os seus redutos eleitorais. Mas por que estas verbas têm que ser secretas? Sem eles quererem que ninguém saiba para onde foi o dinheiro, nem como este dinheiro foi usado. Quando você não diz a sua mulher onde gastou parte do seu dinheiro, ela sempre fica de orelha em pé. “Será que você está gastando com as putas?”. Mas os deputados e os prefeitos são uns santos e jamais gastariam com putas. Mas , afinal, onde está indo parar este dinheiro, que eles não querem que ninguém saiba? Deputado e senador que anistia os seus próprios crimes, a meu ver é capaz de tudo. Mesmo que já esteja aposentado “daquilo”. (LGLM)

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About Luiz Gonzaga Lima de Morais

Formado em Jornalismo pelo Universidade Católica de Pernambuco, em 1978, e em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, em 1989. Faz radiojornalismo desde março de 1980, com um programa semanal na Rádio Espinharas FM 97.9 MHz (antiga AM 1400 KHz), na cidade de Patos (PB), a REVISTA DA SEMANA. Manteve, de 2015 a 2017, na TV Sol, canal fechado de televisão na cidade de Patos, que faz parte do conteúdo da televisão por assinatura da Sol TV, o SALA DE CONVERSA, um programa de entrevistas e debates. As entrevistas podem ser vistas no site www.revistadasemana.com, menu SALA DE CONVERSA. Bancário aposentado do Banco do Brasil e Auditor Fiscal do Trabalho aposentado.

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