Orçamento em frangalhos (Os “ladrões” estão fazendo a festa às nossas custas!)

By | 13/09/2024 5:19 am

Pelo que se vê, as emendas parlamentares fabricadas para abastecer currais eleitorais de congressistas não só continuarão sem nenhum critério técnico, como poderão ser turbinadas

 

Imagem ex-librisA pedido do Supremo Tribunal Federal (STF), a Controladoria-Geral da União (CGU) realizou uma auditoria nos 10 municípios mais beneficiados, per capita, por emendas parlamentares que constituíam o chamado “orçamento secreto”, vetado pela Corte, e depois pelas emendas que substituíram esse mecanismo e mantiveram a opacidade. O resultado da amostra, entre 2020 e 2023, indica que desvios, atrasos e desperdício de dinheiro não são exceção, mas regra.

Pelo visto, a falta de transparência na destinação dos recursos é característica imprescindível desse instrumento para os objetivos dos parlamentares envolvidos: distribuir verbas sem critério para melhorar as chances eleitorais de si mesmos e de aliados políticos – isso sem falar na avenida de oportunidades para corrupção.

Diante das evidências de que o espírito dessas emendas é intrinsecamente antirrepublicano e antidemocrático, fica cada vez mais claro o acerto do Supremo em colocar um freio na distribuição desse dinheiro. Nada do que foi arrolado pela CGU respeita o que vai na Constituição.

Há de tudo ali, desde truques para mascarar os envolvidos na transferência dos recursos até a escandalosa desnecessidade por parte de quem os recebe. Um caso exemplar chamou a atenção dos auditores: para a minúscula Pracuúba (AP), destinou-se polpuda verba para construir nada menos que quatro campos de futebol, para usufruto de pouco mais de 5 mil habitantes – que já dispunham de campos de futebol. Isso não é desvio; é padrão.

Para a surpresa de ninguém, dos dez municípios que mais receberam dinheiro, cinco são do Amapá, Estado do senador Davi Alcolumbre, virtual eleito para voltar à presidência do Senado. Consta que sua habilidade na administração das emendas é um dos fatores que o tornaram favorito na eleição.

Na última década, as emendas parlamentares saltaram de 4% do Orçamento discricionário para 23%, tornaram-se obrigatórias e se diversificaram. Especialistas cansaram de alertar que esses repasses, distribuídos sem equidade, transparência ou critérios que garantam sua integração às metas da União e às necessidades locais, degradam as políticas públicas porque são pulverizados, pressionam os cofres públicos porque drenam recursos dos ministérios e geram riscos de corrupção porque não são fiscalizados. Finalmente, distorcem a competição democrática, porque abastecem redutos de alguns parlamentares em detrimento de outros, tornando-se um cobiçado complemento do Fundo Eleitoral.

Ainda assim, sob a conivência de Executivos fracos, os congressistas criaram doações aos caixas de Estados e municípios – as emendas “Pix” – e repasses sem transparência por apadrinhados de líderes do Parlamento – o “orçamento secreto”. Este último foi declarado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal em 2022, mas continuou a ser operado sob as Emendas de Comissão. Tamanho foi o destempero que, em agosto, o STF, cumprindo sua função de guardião da Constituição, suspendeu os repasses até que o Congresso criasse parâmetros de “eficiência, transparência e rastreabilidade”.

Mas, como reza uma máxima do cinismo político, consagrado no romance O Leopardo, de Tomasi di Lampedusa, é preciso que tudo mude se queremos que tudo permaneça como está. Temendo retaliações do Parlamento, o STF articulou com caciques do Legislativo e do Executivo um insólito “acordo”, que, em tese, deveria garantir as tais “eficiência, transparência e rastreabilidade”. Mas já se vê que a pizza, ainda no forno, não cheira bem. Conforme apurado pelo Estadão, as emendas de comissão podem virar obrigatórias; os recursos poderão bancar obras regionais, e não nacionais; o volume de emendas poderá ser turbinado; e as emendas “Pix” serão, na essência, mantidas.

Assim, nesse acordo, o Judiciário evita mais desgastes; o Executivo, com sua base parlamentar diminuta, garante ao menos um naco das emendas para seu PAC; e as bancadas fisiológicas seguem abastecendo seus currais eleitorais – quando não seus bolsos. A turma de Brasília superou até o célebre cínico da obra de Lampedusa: ao que parece, tudo mudará, mas para ficar ainda pior do que já estava.

Comentário

Category: Nacionais

About Luiz Gonzaga Lima de Morais

Formado em Jornalismo pelo Universidade Católica de Pernambuco, em 1978, e em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, em 1989. Faz radiojornalismo desde março de 1980, com um programa semanal na Rádio Espinharas FM 97.9 MHz (antiga AM 1400 KHz), na cidade de Patos (PB), a REVISTA DA SEMANA. Manteve, de 2015 a 2017, na TV Sol, canal fechado de televisão na cidade de Patos, que faz parte do conteúdo da televisão por assinatura da Sol TV, o SALA DE CONVERSA, um programa de entrevistas e debates. As entrevistas podem ser vistas no site www.revistadasemana.com, menu SALA DE CONVERSA. Bancário aposentado do Banco do Brasil e Auditor Fiscal do Trabalho aposentado.

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