Preocupação chega a escolas e famílias; risco está na forma como as apostas online são apresentadas, como algo divertido e até saudável, dizem especialistas
Essas são histórias reais relatadas à reportagem. Os nomes são preservados para proteger as identidades dos adolescentes.
O maior risco é a forma como as apostas esportivas são apresentadas, o que atrai fortemente crianças e adolescentes. A publicidade ostensiva online e offline, com influenciadores e até medalhistas olímpicos, durante o jogo de futebol, na camisa dos times, nas redes sociais, normaliza as bets e faz com que pareçam saudáveis e divertidas.
A falta de regulamentação no País, que só agora começa a ser enfrentada, também permite que o público infanto-juvenil fique desprotegido e tenha acesso a uma atividade proibida para menores. O Instituto Jogo Legal, entidade que representa o setor, diz que o problema está nos sites irregulares.
“Uma coisa que era do mundo adulto, concentrada em cassinos, mesa de boteco. De repente entrou no bolso, na palma da mão, e ainda associada à paixão pelo futebol, promovido pela TV no jogo. É poderoso e avassalador”, diz o orientador educacional da Escola da Vila Fermín Damirdjian, na zona oeste de São Paulo.
As pesquisas mostram ainda que crianças e adolescentes têm menor capacidade de controle de impulso e são mais suscetíveis a atividades que prometem recompensas rápidas e parecem emocionantes. Por isso, dizem especialistas, só educação financeira não resolve a questão.
Na Camino School, na Barra Funda, zona oeste, a direção começou a discutir o problema no meio do ano porque foi avisada pelas famílias sobre casos e percebeu que os professores ainda sabiam pouco do tema. Agora prepara uma formação para os docentes que inclua bets, como aulas para falar do vício e suas consequências.
“Cai muita coisa sobre a agenda das escolas, falta tempo. Nós, como sociedade, ainda estamos despreparados para essa juventude conectada e eles, desprotegidos”, diz Letícia Lyle, diretora da Camino. Na rede estadual paulista, discussões sobre bets foram incorporadas recentemente ao material didático online, na disciplina de educação financeira no ensino médio.
O fato de os jogos estarem disponíveis em celulares, além de facilitar o acesso, incorpora uma camada de preocupação. Estudos recentes também já têm ligado o uso frequente de aparelhos e redes sociais ao vício e a problemas de saúde mental em crianças e adolescentes. Tem aumentado também o número de escolas que proíbem o uso.
‘Sou bom nisso’, disse jovem de 15 anos
“O tempo todo, nas redes sociais, estão expostos a histórias de pessoas que teoricamente tiveram sucesso, sendo muito jovens, dizendo que ganharam dinheiro rápido. Começam a acreditar que é comum”, diz o pesquisador do Instituto Ame Sua Mente Gustavo Estanislau, psiquiatra da infância e da adolescência. “A bet aparece na vida dele, ajuda a chegar a um lugar sem muito esforço.”
“Comecei a jogar junto com meus amigos para ver quem ganhava mais, você não pensa direito, tem tanta propaganda. A gente pode apostar em um jogo na Turquia, na Inglaterra ou no que passa na sua frente, parece um game”, diz o garoto corintiano fanático. Os pais tiraram o acesso do menino ao Pix, conversaram sobre o vício e informaram à escola. Depois de jogar várias vezes durante um mês, ele não mais voltou a apostar.
O governo australiano ainda discute o que será tornado lei no país após recomendações do relatório, especialmente na publicidade. As apostas esportivas online cresceram em muitos países a partir da Copa de 2018.
Novas exigências
No Brasil, o Ministério da Fazenda está finalizando o cadastramento das bets com novas exigências, o que levará a cobrança de impostos e transferências bancárias apenas para as empresas regularizadas. Estima-se que 15% do mercado seja de sites sem registro, que permitem que apostadores joguem apenas com um número de celular.
Esse mercado movimenta entre R$ 60 bilhões e R$ 100 bilhões no País, quase 1% do Produto Interno Bruto (PIB). Há preocupação sobre endividamentos e com os recursos que deixam de ser gastos com bens e serviços.
“Criança e adolescente só vão apostar a partir de 1º de janeiro (quando entra em vigor a nova regulamentação) com a conivência do pai ou responsável”, diz o presidente do Instituto Jogo Legal, que representa o setor, Magnho José. Para ele, o problema são bets ilegais que não exigem CPF e data de nascimento do jogador. No entanto, a reportagem ouviu relatos de adolescentes que jogaram em plataformas de apostas autorizadas, burlando sistemas de registro.
Procurada, a Meta, plataforma responsável por abrigar os perfis em redes como o Instagram, afirma que suas políticas “não permitem conteúdos potencialmente voltados a menores de 18 anos que tentem promover jogos online envolvendo valores monetários” e diz remover posts desse tipo.
Veja dicas para lidar com o tema:
- Compartilhe relatos ou histórias de quem teve problemas com apostas (perdeu muito dinheiro, vício ou efeitos na saúde mental)
- Não trate apostas como algo divertido
- Não discuta pretensas habilidades para se conseguir ganhar mais facilmente
- Atenção à cultura de apostas de adultos na família, isso leva a uma naturalização para crianças e adolescentes
- Fale de riscos, mas com equilíbrio e bom senso. Ser alarmista com tudo pode fazer a criança ou adolescente ter medo de tudo ou, por outro lado, querer testar os pais
- Discuta educação financeira e fale do valor do dinheiro, de como ele é ganho e da importância de se poupar o futuro
- Acompanhe de perto as crianças e adolescentes em celulares e redes sociais
Meninos mais expostos
Resolução do Conselho Nacional de Autorregulação Publicitária (Conar), de fevereiro, diz que anúncios de apostas online precisam indicar que a atividade é restrita a menores e não devem usar “símbolos, recursos gráficos e animações, linguagem, personalidades ou personagens reconhecidamente pertencentes ao universo infanto-juvenil”. E a propaganda só pode ser feita por “influenciadores que tenham adultos como seu público-alvo”.
Para a coordenadora do eixo digital do Instituto Alana, Maria Mello, as regras não são suficientes. Ela se preocupa especialmente com meninos, pela forte ligação com o futebol, além da falta de controle efetivo do sites de apostas para verificação etária.
“É preciso uma ação mais sistêmica”, diz. Além da fiscalização e regulamentação eficazes, Maria recomenda campanhas para famílias e escolas sobre como falar do assunto.
Questionado sobre o atrativo das bets para crianças e adolescentes principalmente pela ligação com o futebol, Magnho José diz que as bets seguem as regras de publicidade para o público. “O problema não é o jogo. São esses influenciadores que passam mensagem de que você vai ficar rico. O jogo é entretenimento e nada mais que isso, não é meio de vida”, afirma.
Já a pasta da Saúde afirma ampliar o atendimento para problemas de saúde mental, incluindo jogo patológico. E diz que foram habilitados mais novos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) este ano, sendo 314 exclusivos para crianças, adolescentes e jovens.
Comentário nosso – O problema é sério com relação a adultos, que, em tese, teriam discenirmento suficiente para ver o perigo que os jogos representam, imaginem em crianças, sem a experiência e a malícia para perceber os riscos, que um adulto deveria ter. Que cada um olhe em torno de si e veja se não tem alguém na sua familia viciada em jogos online. É importante se precaver e tomar as providências antes que se torne tarde. Já foram reportados casos de suicidio, de furtos, de assaltos praticados por pessoas viciadas. E a polícia está investigando, aqui na Paraíba, a suspeita de que uma mãe de familia teria tentado matar as próprias filhas e se suicidar por conta de dívidas assumidas para financiar o seu vício por jogos online. Aliás, qualquer jogo é um risco, até mesmo os inocentes bingos beneficentes, se se tornarem tão habituais que a pessoa não possa passar sem eles. (LGLM)